São Paulo, 30 - Luis Fernando Verissimo
morreu neste sábado, 30, em Porto Alegre (RS). A informação foi confirmada pelo
Hospital Moinhos de Vento, onde o escritor, de 88 anos, estava internado.
Em 17 de agosto de 2025, sua família divulgou a informação de que ele estava
internado desde a semana anterior por conta de uma "pneumonia leve que foi
piorando".
Os problemas de saúde de Luis Fernando Verissimo
Nos últimos anos, o escritor já havia enfrentado outros problemas de saúde,
incluindo uma cirurgia na mandíbula, em novembro de 2020, e um AVC (Acidente
Vascular Cerebral) em janeiro de 2021. Este último afetou uma parte cognitiva
de seu cérebro, dificultando a ordenação de seus pensamentos, ainda que
compreendesse o que se passava ao redor.
Desde então, passava por uma recuperação lenta e gradual e também por alguns
fatos inusitados - como a sua maior facilidade para se comunicar em inglês,
língua que se tornou fluente por conta da infância nos EUA.
Em 1988, Luis Fernando Verissimo começou seus trabalhos como colaborador do Estadão.
Até janeiro de 2021, quando sofreu o AVC, o escritor também foi colunista do
jornal.Clique aqui para reler sua coluna mais recente, A Caixinha.
Pouco antes, em dezembro de 2020, foi questionado sobre o vinha lendo nos
desafiadores tempos de pandemia. "O melhor livro que li em 2020 foi o de
ensaios e estudos sobre Antonio Candido lançado pela editora 34, prova de que
existe vida inteligente na Terra."
Vida e obra de Luis Fernando Verissimo
Cronista, cartunista, ficcionista, saxofonista, gourmet e torcedor fanático do
Internacional, Luis Fernando Verissimo sempre foi uma das raras unanimidades
positivas do País.
Autor de mais de 70 livros que já venderam milhões de exemplares (entre eles,
os best sellers O Analista de Bagé e A Comédia da Vida Privada) e de
personagens emblemáticos (a Velhinha de Taubaté, que criticava a ditadura, o
detetive Ed Mort, as Cobras), o filho do escritor Erico Verissimo só começou a
escrever aos 30 anos (nasceu em 1936), depois de ter passado por várias escolas
de arte e desenho, inacabadas; de ter tentado o comércio "só para reforçar
o mau jeito da família"; e de ter passado por uma rápida carreira
jornalística, de revisor e colunista de jazz a cronista principal do jornal
gaúcho Zero Hora.
Os primeiros livros de Luis Fernando Verissimo
Em 1973, lançou, pela Editora José Olympio, seu primeiro livro, O Popular, com
o subtítulo "crônicas, ou coisa parecida", coletânea de textos
editados na imprensa, formato que marcaria boa parte de suas futuras
publicações. O primeiro grande sucesso, no entanto, aconteceu com o lançamento
de seu quinto livro de crônicas, Ed Mort e Outras Histórias, o primeiro pela
Editora L&PM, com a qual trabalharia durante 20 anos. Sátira aos romances
policiais, o detetive Ed Mort inspiraria ainda um tira de quadrinhos desenhados
por Miguel Paiva e um filme com Paulo Betti no papel título.
O Analista de Bagé
Verissimo se tornaria fenômeno de vendas com O Analista de Bagé, lançado em
1981, quando a primeira edição se esgotou em apenas dois dias. O personagem foi
originalmente criado para um programa de humor na TV, capitaneado por Jô
Soares. Com o projeto engavetado, Verissimo levou-o ao livro, tornando-se uma
figura peculiar: psicanalista de formação freudiana ortodoxa, o analista não
esconde, porém, seu sotaque e a predileção por costumes típicos da fronteira do
Rio Grande do Sul com o Uruguai e a Argentina. A graça surgia justamente na
contradição entre a sofisticação da psicanálise e a "grossura"
caricatural do gaúcho da fronteira. O personagem inspirou dois livros de
contos, um de quadrinhos (com desenhos de Edgar Vasques) e uma antologia.
A Velhinha de Taubaté
A Velhinha de Taubaté, "a única pessoa que ainda acredita no
governo", surgiu dois anos depois, como crítica ao governo militar em seus
anos derradeiros. Em pouco tempo, Verissimo cruzou fronteiras, tornou-se
colaborador de programas humorísticos de televisão, vistos e ouvidos em todo o
Brasil - é o caso das histórias da Comédia da Vida Privada, série de 21
programas (1995-1997), com roteiros de Jorge Furtado e direção de Guel Arraes.
'Há diferença entre ser humorista e fazer humor'
Sua timidez tornou-se outra característica sempre lembrada, reforçando o valor
de seu texto: sim, Verissimo sempre buscou ser engraçado na escrita e não na
fala. Na verdade, nunca se julgou um humorista. "Acho que há uma diferença
entre ser humorista e fazer humor", disse, certa vez. "O humorista é
o cara que tem uma visão humorística das coisas. O humor é sua maneira de ver e
de ser."
Uma filosofia que se revelou útil durante a dura fase de exceção Veríssimo
conta que, durante a ditadura, ele enviava uma crônica para o jornal deixando
sempre uma na gaveta, de reserva. "E não foram poucas as vezes em que saiu
a reserva", comentou, em outra entrevista. "Os censores pareciam
achar o cartum algo infantil; então, era mais fácil fazer passar um cartum
político que um texto político."
Autodeclarado um gaúcho desnaturado, por não andar a cavalo, não tomar
chimarrão e ter nascido e se criado na cidade, Verissimo sentiu o gosto da
felicidade plena no dia 4 de abril de 2008, quando sua filha Fernanda lhe deu a
primeira neta, Lucinda, nascida em uma data especial: dia do aniversário do
Sport Club Internacional.
O cronista mais popular do Brasil
Em 2020, Elias Thomé Saliba, professor da USP especializado em humor e autor de
Raízes do Riso, descreveu o escritor como o cronista mais popular do Brasil,
aquele que "diz o que o leitor quer falar, mas não consegue".
"Verissimo ultrapassa o transitório não apenas porque suas crônicas se
transformam em livros, mas porque estabeleceu desde o início um pacto
humorístico com o leitor."
"Mais do que qualquer outro, o público que se torna parte do pacto
humorístico é aquele que percorre o noticiário sério do jornal ou da revista e
torna-se capaz de entender as alusões, ironias e paródias de Verissimo e de seu
humor fortemente conectado com os eventos noticiados e, por isso, compreensível
apenas naquelas situações", defendia.
Os 'falsos Verissimos' da internet
Com a era moderna, muitos dos textos passaram para o meio digital. Em muitos
casos, porém, textos que não eram do autor contavam com a assinatura de
"Luis Fernando Verissimo", tentando ganhar credibilidade. Ele se
acostumou ao fato. "Fico sem graça de dizer que não é meu. Em outra
oportunidade, uma senhora veio me dizer que não gostava tanto dos meus textos,
exceto do Quase, que era maravilhoso.
O que posso dizer? Melhor não decepcionar. E quando vou a escolas onde os
alunos encenam um texto que, na verdade, não é meu?", relatava ao Estadão
em 2016.
Curiosamente, Luis Fernando Verissimo se assumia como um "analfabeto em
informática", que se limitava ao uso de e-mails e Google. Para o restante,
recorria aos filhos. Ainda sobre tecnologia, em texto publicado no Estadão em
2019, "Pertenço à geração perdida no tempo", citava a "farta
literatura premonitória" sobre robôs indestrutíveis. "Que eu saiba,
ninguém ainda imaginou um roteiro em que os inimigos não sejam grandes robôs
blindados, mas os pequenos celulares".
Verissimo escrevia poucas palavras, mas era extremamente preciso
Em 2016, o escritor foi perguntado: qual a receita para seus textos serem
populares e não popularescos? "Não tenho". Em seguida, atribuía o
mérito ao gênero: "Acredito que, antes de mais nada, é ter clareza na
escrita. E, como a crônica normalmente não é um texto grande, torna-se
acessível a qualquer público". Ao longo da carreira, Verissimo ficou
conhecido não apenas pelos "textos não tão grandes", mas também por
escrever estritamente o necessário, em pouquíssimas palavras, e ainda assim ter
muito a dizer.
Para quem tem interesse em se aprofundar um pouco mais pela figura do autor, em
2024, o documentário Verissimo foi lançado. Fugindo do estilo biográfico
cronológico, o longa tinha foco maior no cotidiano do escritor, prestes a
completar 80 anos de idade à época das filmagens, que acompanhou por 15 dias.
Atualmente, está disponível para assistir no streaming Mubi.
Fonte: Estadão conteúdo
Foto: Reprodução/O Globo