primeiro “pouso” do presidente francês Emmanuel Macron na Amazônia durou metade de uma tarde. Macron viu a floresta na panorâmica, e não no detalhe. O líder europeu não conheceu a cidade de Belém, onde acontecerá a COP30, em 2025. A comitiva com os dois presidentes - Lula e Macron - passou da Base Aérea direto para o porto e atravessou de barco para a Ilha do Combu, ontem, terça-feira, 26. Então, do que vale uma visita tão rápida, ainda que inusitada?

O presidente francês é um dos líderes
europeus que mais levantam a bandeira do meio ambiente. “Estamos perdendo a
batalha para as mudanças climáticas”, disse Macron, em 2017, ao pressionar seus
pares dos países mais ricos a contribuírem financeiramente para a prevenção e a
mitigação dos riscos climáticos no planeta.
Macron parece ter entendido que os
países mais pobres e vulneráveis precisam de dinheiro e não somente de palavras
para contrapor às mudanças climáticas. Não basta levantar a voz contra o
desmatamento da Amazônia; é preciso contribuir para a mudar a lógica da
economia de extração para atividades que desenvolvam a região a partir da
bioeconomia, com menos impacto ambiental.
Na COP13, em Bali, na Indonésia, em
2007, os membros da conferência chegaram à conclusão de que sem a inclusão dos
países emergentes - os mais pobres e geralmente os produtores de matéria prima
- nas metas de redução das emissões, não seria possível obter resultados para o
planeta. Os países mais pobres precisavam de incentivos financeiros para implementar
medidas em torno dos riscos climáticos.
Via de mão dupla
Na visita da ilha do Combu, o
presidente francês anunciou um programa, a ser desenvolvido nos próximos quatro
anos, de US$ 2 bilhões para projetos
científicos e proteção da floresta amazônica, em parceria com o
Brasil, sendo o desembolso de US$ 1 bilhão para cada país. Macron libera
dinheiro, mas demonstra querer um pouco mais...
A verba da França vem amarrada à
cooperação entre os dois países. Isso envolverá diálogos entre França e Brasil
sobre os desafios da bioeconomia; parcerias técnicas e financeiras entre bancos
públicos brasileiros - Basa e o BNDES -, e a Agência Francesa de
Desenvolvimento, a partir do Brasil e da Guiana Francesa; novo acordo
científico entre os dois países, operado pelo Cirad - organismo francês de
pesquisa - e pela Embrapa e a criação de um hub de pesquisa,
investimento e compartilhamento de tecnologias.
A estratégia para a região também
parte do fato de que a França possui terras na Amazônia internacional, pois a
Guiana Francesa é um dos países da floresta. Para além disso, o território
amazônico é fundamental na balança das alterações climáticas, possuindo a maior
e mais rica biodiversidade do planeta. Na geopolítica mundial, a Amazônia é
vista como uma espécie de “galinha dos ovos de ouro”.
Manifestações e protestos
contra construção de
ferrovia e exploração de
petróleo na região
Durante a cerimônia na Ilha do Combu,
duas manifestações contra a forma de exploração econômica da Amazônia soaram na
esperança de serem ouvidas por Macron e Lula. O cacique Raoni entregou aos dois
presidentes a “sentença” contra a construção de Ferrogrão, a ferrovia que
cortará a floresta amazônica do Pará ao Mato Grosso.
“Presidente
Lula, subi a rampa com o senhor e gostaria de pedir que vocês não aprovem o
projeto de construção de ferrovia entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), mais
conhecido como Ferrogrão”, afirmou o cacique.
De acordo com o documento, a sentença
traz cinco argumentos de acusação: violação do direito à consulta, livre
prévia, informada e de boa-fé; estudos falhos e subdimensionamento dos impactos
e riscos socioambientais conexos; aumento da especulação fundiária, grilagem de
terras públicas; desmatamento; queimadas e conflitos fundiários; e
favorecimento indevido dos interesses das empresas transnacionais Cargill,
Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi.
Além do líder Kayapó, o Greenpeace Brasil
protestou contra a exploração de petróleo na Bacia da Foz do Rio Amazonas. A
manifestação foi com o veleiro “Witness”, que ficou ancorado no momento da
visita dos presidentes, na margem sul do rio Guamá. O veleiro está em águas
brasileiras para a expedição Costa Amazônica Viva. “A equipe do Greenpeace
exibiu uma grande faixa com os dizeres “Petróleo na Amazônia Não”, no momento
em que passavam as embarcações da comitiva oficial dos presidentes.
Problema para Lula
A exploração do petróleo na Bacia da
Foz do rio Amazonas virou “problemão” para o governo brasileiro, mais ainda a
partir da COP28, que ocorreu em Dubai, no final de 2023. O principal ponto
firmado na conferência foi a necessidade de dar fim aos combustíveis fósseis de
forma gradativa. Foi somente um sinal. Porém, pela primeira vez em uma COP,
ficou escrito no acordo entre os países membros a necessidade da virada
energética, que já chega tarde.
Então, como fica a aparente disposição
do governo brasileiro de autorizar nova frente para exploração de petróleo na
Foz do rio Amazonas, uma área já apontada pelo Ministério de Meio de Ambiente
como de risco para o patrimônio material e imaterial naquele pedaço da
Amazônia?
Aposta alto de risco
Segundo o Greenpeace Brasil, “a pressão
do governo, da indústria e de políticos locais para a abertura de uma nova
fronteira exploratória na Margem Equatorial brasileira é grande. Porém, ao
apostar em petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, o Brasil estará prejudicando
não somente a sua sociobiodiversidade, mas “exportando” potenciais
derramamentos de petróleo para os países vizinhos, incluindo a Guiana
Francesa”, afirmam os ativistas.
O Greenpeace Brasil Sabe-se que a costa
amazônica é lar de uma biodiversidade única – é lá que está o Grande Sistema de
Recifes da Amazônia e o maior corredor contínuo de manguezais do planeta, entre
muitas outras espécies. Apesar disso, é na Bacia da Foz do Amazonas que está o
bloco FZA-M-59, que já foi alvo de petrolíferas estrangeiras e que, atualmente,
pode ser explorado pela Petrobras. Diante deste cenário, o Greenpeace Brasil
começou uma campanha no ano passado pedindo que o governo declare a Amazônia
uma zona livre de petróleo.
De herói a vilão
"Lula e Macron estão discutindo a COP30 em um território que está sob ameaça direta da indústria do petróleo. Já são mais de 200 blocos de exploração entre os já concedidos, em oferta e em estudo na bacia da Foz do Amazonas. O País, que tem as condições de liderar pelo exemplo a transição energética global e ser protagonista na agenda climática, deve ir de herói a vilão caso o governo insista na abertura de uma nova fronteira de petróleo na Amazônia”, declarou o coordenador da área de Oceanos do Greenpeace Brasil Marcelo Laterman.

