Coluna

De olho na floresta amazônica, Macron nem viu Belém, mas, nas entrelinhas, propôs um “toma lá, dá cá”

Presidente francês promete 2 bilhões de dólares para projetos na região, onde também tem terras, mas a parceria implica trocas e favores.

27/03/2024, 12:49 / Por Mariluz Coelho | João Ramid*

De olho na floresta amazônica, Macron nem viu Belém,  mas, nas entrelinhas, propôs um “toma lá, dá cá”

 

primeiro “pouso” do presidente francês Emmanuel Macron na Amazônia durou metade de uma tarde. Macron viu a floresta na panorâmica, e não no detalhe. O líder europeu não conheceu a cidade de Belém, onde acontecerá a COP30, em 2025. A comitiva com os dois presidentes - Lula e Macron - passou da Base Aérea direto para o porto e atravessou de barco para a Ilha do Combu, ontem, terça-feira, 26.  Então, do que vale uma visita tão rápida, ainda que inusitada? 


Cacique Raoni, nomeado Cavaleiro, protesta contra a Ferrogrão, e Greenpeace, contra a exploração de petróleo/Fotos: João Ramid-Agência Amazônia de Notícias.

O presidente francês é um dos líderes europeus que mais levantam a bandeira do meio ambiente. “Estamos perdendo a batalha para as mudanças climáticas”, disse Macron, em 2017, ao pressionar seus pares dos países mais ricos a contribuírem financeiramente para a prevenção e a mitigação dos riscos climáticos no planeta.  

 

Macron parece ter entendido que os países mais pobres e vulneráveis precisam de dinheiro e não somente de palavras para contrapor às mudanças climáticas. Não basta levantar a voz contra o desmatamento da Amazônia; é preciso contribuir para a mudar a lógica da economia de extração para atividades que desenvolvam a região a partir da bioeconomia, com menos impacto ambiental. 

 

Na COP13, em Bali, na Indonésia, em 2007, os membros da conferência chegaram à conclusão de que sem a inclusão dos países emergentes - os mais pobres e geralmente os produtores de matéria prima - nas metas de redução das emissões, não seria possível obter resultados para o planeta. Os países mais pobres precisavam de incentivos financeiros para implementar medidas em torno dos riscos climáticos. 


Via de mão dupla

 

Na visita da ilha do Combu, o presidente francês anunciou um programa, a ser desenvolvido nos próximos quatro anos, de US$ 2 bilhões para projetos científicos e proteção da floresta amazônica, em parceria com o Brasil, sendo o desembolso de US$ 1 bilhão para cada país.  Macron libera dinheiro, mas demonstra querer um pouco mais...  

 

A verba da França vem amarrada à cooperação entre os dois países. Isso envolverá diálogos entre França e Brasil sobre os desafios da bioeconomia; parcerias técnicas e financeiras entre bancos públicos brasileiros - Basa e o BNDES -, e a Agência Francesa de Desenvolvimento, a partir do Brasil e da Guiana Francesa; novo acordo científico entre os dois países, operado pelo Cirad - organismo francês de pesquisa - e pela Embrapa e a criação de um hub de pesquisa, investimento e compartilhamento de tecnologias.

 

A estratégia para a região também parte do fato de que a França possui terras na Amazônia internacional, pois a Guiana Francesa é um dos países da floresta. Para além disso, o território amazônico é fundamental na balança das alterações climáticas, possuindo a maior e mais rica biodiversidade do planeta. Na geopolítica mundial, a Amazônia é vista como uma espécie de “galinha dos ovos de ouro”.  


Manifestações e protestos
contra construção de
ferrovia e exploração de
petróleo na região

 

Durante a cerimônia na Ilha do Combu, duas manifestações contra a forma de exploração econômica da Amazônia soaram na esperança de serem ouvidas por Macron e Lula. O cacique Raoni entregou aos dois presidentes a “sentença” contra a construção de Ferrogrão, a ferrovia que cortará a floresta amazônica do Pará ao Mato Grosso. 

 

 “Presidente Lula, subi a rampa com o senhor e gostaria de pedir que vocês não aprovem o projeto de construção de ferrovia entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), mais conhecido como Ferrogrão”, afirmou o cacique. 

 

De acordo com o documento, a sentença traz cinco argumentos de acusação: violação do direito à consulta, livre prévia, informada e de boa-fé; estudos falhos e subdimensionamento dos impactos e riscos socioambientais conexos; aumento da especulação fundiária, grilagem de terras públicas; desmatamento; queimadas e conflitos fundiários; e favorecimento indevido dos interesses das empresas transnacionais Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi.

 

Além do líder Kayapó, o Greenpeace Brasil protestou contra a exploração de petróleo na Bacia da Foz do Rio Amazonas. A manifestação foi com o veleiro “Witness”, que ficou ancorado no momento da visita dos presidentes, na margem sul do rio Guamá. O veleiro está em águas brasileiras para a expedição Costa Amazônica Viva. “A equipe do Greenpeace exibiu uma grande faixa com os dizeres “Petróleo na Amazônia Não”, no momento em que passavam as embarcações da comitiva oficial dos presidentes. 

 

Problema para Lula


A exploração do petróleo na Bacia da Foz do rio Amazonas virou “problemão” para o governo brasileiro, mais ainda a partir da COP28, que ocorreu em Dubai, no final de 2023. O principal ponto firmado na conferência foi a necessidade de dar fim aos combustíveis fósseis de forma gradativa. Foi somente um sinal. Porém, pela primeira vez em uma COP, ficou escrito no acordo entre os países membros a necessidade da virada energética, que já chega tarde. 

 

Então, como fica a aparente disposição do governo brasileiro de autorizar nova frente para exploração de petróleo na Foz do rio Amazonas, uma área já apontada pelo Ministério de Meio de Ambiente como de risco para o patrimônio material e imaterial naquele pedaço da Amazônia? 

 

Aposta alto de risco

 

Segundo o Greenpeace Brasil, “a pressão do governo, da indústria e de políticos locais para a abertura de uma nova fronteira exploratória na Margem Equatorial brasileira é grande. Porém, ao apostar em petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, o Brasil estará prejudicando não somente a sua sociobiodiversidade, mas “exportando” potenciais derramamentos de petróleo para os países vizinhos, incluindo a Guiana Francesa”, afirmam os ativistas. 

 

O Greenpeace Brasil Sabe-se que a costa amazônica é lar de uma biodiversidade única – é lá que está o Grande Sistema de Recifes da Amazônia e o maior corredor contínuo de manguezais do planeta, entre muitas outras espécies. Apesar disso, é na Bacia da Foz do Amazonas que está o bloco FZA-M-59, que já foi alvo de petrolíferas estrangeiras e que, atualmente, pode ser explorado pela Petrobras. Diante deste cenário, o Greenpeace Brasil começou uma campanha no ano passado pedindo que o governo declare a Amazônia uma zona livre de petróleo. 

 

De herói a vilão


"Lula e Macron estão discutindo a COP30 em um território que está sob ameaça direta da indústria do petróleo. Já são mais de 200 blocos de exploração entre os já concedidos, em oferta e em estudo na bacia da Foz do Amazonas. O País, que tem as condições de liderar pelo exemplo a transição energética global e ser protagonista na agenda climática, deve ir de herói a vilão caso o governo insista na abertura de uma nova fronteira de petróleo na Amazônia”, declarou o coordenador da área de Oceanos do Greenpeace Brasil Marcelo Laterman. 


O “Witness”, ancorado na margem esquerda do rio Guamá/Enrico Marone-Greenpeace Brasil.


De olho na floresta amazônica, Macron nem viu Belém; mas, nas entrelinhas, propôs um “toma lá, dá cá”