nquanto o governo do Pará celebrava com pompa e circunstância, em Parauapebas, sudeste do Estado, o lançamento do Sistema de Rastreabilidade Bovídea Individual, no último dia 4, como um “marco para o agronegócio”, os produtores rurais organizados na Associação dos Produtores Rurais Independentes da Amazônia Legal, a Apria, se articulavam para levar à Justiça aquilo que, na prática, enxergam como um ataque ao setor produtivo.
Na semana passada, a associação ingressou com uma ação judicial no Tribunal de Justiça do Pará pedindo a suspensão imediata e a anulação definitiva do decreto que criou o Sistema de Rastreabilidade. O caso está sob relatoria do desembargador José Maria Teixeira do Rosário.
Alegações da associação
Na ação - Processo: 0814388-34.2025.8.14.0000 -, protocolada no último dia 15, a entidade alega que o Decreto estadual nº 3.533/2023, alterado pelo nº 4.754/2025, é inconstitucional por impor, de forma unilateral, a obrigatoriedade do uso de brincos eletrônicos para identificação individual de todo o rebanho bovino no Estado.
Enquanto nos discursos oficiais a palavra de ordem era a “modernização”, prometendo valorização comercial e alinhamento com mercados internacionais, a associação afirma que a norma foi editada sem autorização legislativa e desrespeita a Constituição Federal, a Constituição do Estado do Pará e a legislação federal sobre o tema.
Insegurança jurídica
Entre os principais argumentos, a associação sustenta que o decreto fere o princípio da legalidade ao criar obrigações sem respaldo em lei formal aprovada pelo Legislativo, contrariando a Lei Federal nº 12.097/2009, que trata da rastreabilidade bovina como mecanismo facultativo. Também aponta invasão da competência legislativa da União, que tem prerrogativa exclusiva para legislar sobre trânsito agropecuário e comércio interestadual.
Além disso, a ação denuncia que o decreto estadual impõe exigências técnicas e custos desproporcionais, especialmente para pequenos e médios produtores, violando os princípios constitucionais da livre iniciativa, livre concorrência, razoabilidade e devido processo legal. “O Sistema funciona como um mecanismo excludente e autoritário que cria uma espécie de vigilância ambiental permanente, sem diálogo com o setor produtivo”, afirma a peça jurídica.
Inércia e desorganização
A Apria também critica a atuação do governo do Pará, apontando que mais de 70% das propriedades rurais no território paraense não possuem titulação fundiária regular - condição essencial para a implementação de qualquer sistema de rastreamento. A entidade sustenta que o governo transferiu aos produtores a responsabilidade por um sistema cuja base o próprio Estado não construiu.
“É um ambiente de insegurança fundiária, paralisia administrativa e arbitrariedade ambiental. O Estado falha em garantir infraestrutura mínima e quer penalizar quem está na ponta da produção”, diz o texto da ação.
É muita contradição
No documento, a associação também acusa o governo estadual de agir com contradição ao justificar o decreto como forma de alinhar o Pará a padrões internacionais de sustentabilidade. A ação compara a norma paraense com a nova regulação da União Europeia e conclui que o decreto local é mais rígido e punitivo que as próprias regras internacionais.
Pedido de liminar
A associação pede que a Justiça conceda uma liminar para suspender imediatamente os efeitos do decreto e, ao final do processo, declare a nulidade do Sistema por vício de origem, abuso de poder normativo e afronta a direitos constitucionais. Segundo a associação, a implementação do sistema, que começou em dezembro de 2024, prevê obrigatoriedade total até dezembro deste ano, o que ameaça a continuidade das atividades produtivas rurais no Estado.
A ação foi distribuída à Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça e segue em tramitação. Até o momento, não houve manifestação do governo do Estado nem da Adepará, também listada como ré na ação, e à qual os produtores rurais atribuem o funcionamento da “caixa preta” da chamada defesa agropecuária do Pará, alvo de ação federal inclusive pelo suposto descaminho de rebanhos apreendidos em ação compartilhada com o Ibama.
Discursos festivos
Nos discursos oficiais em Parauapebas, muita efusividade com a notícia do programa e promessas modernização, como mencionou o secretário municipal de Produção Rural de Canaã dos Carajás, Zito Augusto, que definiu o sistema como essencial para uma produção “ambientalmente correta”, prometendo valorização comercial e alinhamento com mercados internacionais.
A mesma linha foi seguida por representantes da Sempror, da Adepará, da Friboi e de empresas de tecnologia - todas apontando a rastreabilidade como solução mágica para elevar a pecuária local a um novo patamar de sustentabilidade e competitividade.
Pacote excludente
Mas os membros da Apria afirmam que o que parece ser, no papel, uma política pública voltada à “valorização da cadeia produtiva”, se revela um pacote de obrigações ilegais, impraticáveis e economicamente excludentes. “O governo está impondo de forma autoritária um sistema de alto custo, sem consulta pública e sem base legal e, pior: num Estado onde mais de 70% das propriedades sequer têm titulação fundiária”, segundo um dos representantes da entidade.
Os produtores apontam que o contraste entre a realidade do campo e a retórica do palanque escancara o abismo entre quem formula as políticas e quem terá que pagá-las. Enquanto se falava em “melhor gestão das propriedades” e “chips que garantem qualidade à mesa do consumidor”, a Apria argumenta que o produtor paraense está sendo tratado com desigualdade em relação a outros Estados, submetido a uma rastreabilidade compulsória que nem mesmo a legislação federal exige.
Vitrine da vitrine
Se a cerimônia em Parauapebas foi a vitrine de uma vitrine - repleta de boas intenções e promessas de futuro -, a ação judicial é o bastidor do setor que se sente empurrado para um modelo imposto, sem diálogo, sem infraestrutura e sem condições reais de implementação. Em meio à disputa entre ideal e prática, está o segundo maior rebanho bovino do Brasil e a sustentabilidade ainda pode ser construída por estas bandas.
Papo Reto
•O aumento de salário aos servidores públicos de Belém anunciado pelo prefeito Igor Normando (foto) está dando o que falar.
•O projeto garante aumento de R$ 580, elevando o salário-base de R$ 1.044,00 para R$ 1.630,00, valor acima do salário-mínimo atual, segundo o prefeito. Cerca de 65% dos servidores serão beneficiados.
•O que se diz, porém, é que a prefeitura apenas incorporou ao salário-base um abono já existente, que não configura um aumento real e o valor total recebido pelos servidores não aumentou.
•Seria apenas uma mudança contábil da prefeitura na forma de apresentação no contracheque e uma manobra ilusória. Será?
• A quem interessar possa e “se acha”: em Belém, o belo sucumbe à feiura, estando a porteira aberta ou não. É a irresistível vontade de ser, como entenderão os bons entendedores.
•Na guerra entre o sujo e o mal lavado, não se via um agente de trânsito, ontem, na caótica BR-316, entupida de gente querendo deixar a região metropolitana em direção ao interior.
•Saudade do governador Hélio Gueiros: naqueles tempos, Hélio restringia o tráfego de veículos pesados na BR, doesse a quem doesse, desde que o veranista não fosse prejudicado.
•Os governantes de hoje não entendem a tragédia grega, mas uma coisa é simples: nem Jesus Cristo agradou a todos - e toda tentativa dos dias atuais engarrafa no cansaço da população.
•O credenciamento para a COP30 foi aberto pela ONU, responsável pelos pedidos. Quem pretende se credenciar para participar ou fazer a cobertura jornalística da Conferência vai esbarrar em um obstáculo real e caro.
•Isso porque, quem se credencia precisa fornecer o número do passaporte, documento exigido pela ONU. Quem não tem o documento, o custo para emitir um passaporte comum no Brasil é de R$ 257,25.
•Aliás, em casos de urgência ou emergência, o valor vai a R$ 334,42. Se o passaporte anterior válido foi perdido ou extraviado, há duplicação da taxa, que vai a R$ 514,50.