Brasília, DF - O governo federal trabalha para unificar dois planos que hoje orientam de forma contraditória o cuidado a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Sistema Único de Saúde (SUS).
O esforço faz parte da elaboração de um novo plano de cuidado para autismo no SUS, que também deve adotar nacionalmente na rede pública um serviço especializado já utilizado por parte dos municípios, que atualmente funciona sem padronização.
Esse serviço é oferecido hoje de forma descentralizada e sem padronização em diferentes cidades e a ideia é adotá-lo nacionalmente dentro do SUS.
Segundo integrantes do Ministério da Saúde à par do tema, o novo plano de cuidado será incorporado ao sistema único ainda neste ano. O plano terá como foco a qualificação dos profissionais e a integração de serviços. Parte do esforço também envolve a revisão das diretrizes existentes.
A iniciativa está sendo construída dentro do Departamento de Saúde Mental e será integrada à Rede de Atenção Psicossocial, responsável por organizar os serviços de saúde mental no país.
Na prática, o atendimento a pessoas com autismo no SUS é descentralizado, feito em unidades básicas de saúde (UBS), Centros de Atenção Psicossocial (Caps) - quando o caso é grave - e serviços ambulatoriais. Os pacientes também podem ser atendidos em Centros Especializados de Reabilitação (CER), voltados à reabilitação, mas a distribuição dessas unidades ainda é baixa.
Falta uniformidade
Há ainda o crescimento de serviços especializados em autismo organizados de forma independente por municípios e estados, sem uma padronização nacional. Essa ausência de normativas preocupa o Ministério da Saúde, já que não há certificação de qualidade nem uniformidade na estrutura e nos critérios de atendimento: cada local oferta o serviço de maneira distinta.
Uma das metas do ministério, com a nova linha de cuidado, é justamente integrar esses serviços à rede formal do SUS. O projeto inclui ainda a formação de profissionais da Rede de Atenção Psicossocial com foco no trabalho em conjunto com os serviços especializados - e, depois, a qualificação dos profissionais dos próprios serviços especializados.
O objetivo, segundo integrantes do governo, é garantir encaminhamentos e diagnósticos mais ágeis, com equipes mais bem preparadas para lidar com o transtorno.
Além disso, a pasta pretende fortalecer os Centros de Convivência da Rede de Atenção Psicossocial, espaços voltados ao suporte psicossocial por meio de atividades como grupos de apoio mútuo, ações artísticas, atividades escolares e comunitárias. Apesar de esses centros terem sido regulados pelo governo em agosto do ano passado, até agora, não há nenhuma unidade em funcionamento no país.
Há hoje dois documentos oficiais com orientações sobre o cuidado a pessoas com TEA, que trazem abordagens distintas e até contraditórias. Um deles é o “Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo”, de 2014, que insere o autismo no escopo da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (RCPD). Nesse modelo, o TEA é tratado como deficiência, com foco em terapias de reabilitação funcional realizadas principalmente em Centros Especializados de Reabilitação.
Já o segundo documento, lançado em 2015, é a “Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial”, que orienta o atendimento dentro da RAPS. Nele, o TEA é compreendido como um transtorno mental, e a recomendação é que o atendimento seja feito sobretudo em Centros de Atenção Psicossocial. A pasta trabalha agora na formulação de um novo documento unificado.
Demanda por terapias
O SUS enfrenta hoje grandes filas por terapias voltadas a crianças e adolescentes com TEA, especialmente nas áreas de fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional. Ao mesmo tempo, há escassez de profissionais qualificados nessas áreas. A dificuldade é reconhecida inclusive por interlocutores da própria pasta.
Maria de Jesus, diarista de 41 anos moradora do Distrito Federal, chegou a esperar por atendimento de fonoaudiologia no SUS para o filho, de 10, por seis meses, relata.
“Desde que ele recebeu o diagnóstico (de autismo), conseguimos terapias no SUS, como psicóloga, mas com muito custo. Ele tem dificuldade para desenvolver a fala, e ficamos meses aguardando pela primeira consulta”, comenta a mãe.
Foto: Freepik
(Com O Globo)