Mudança anunciada antes da procissão rompe rito bicentenário, desloca o protagonismo do povo e reacende antiga tensão entre fé, poder e patrimônio cultural em Bragança.
Padre Elias anuncia os 12 “juízes de honra” sob o olhar do bispo da diocese: santo deixa os ombros do povo e entra na rota do poder/Fotos: Redes Sociais.

ma mensagem improvável, recebida ao amanhecer por WhatsApp, plantou a semente da inquietação. Simples, direta, quase amarga: “Os pobres só importam de abril a novembro. Depois, quando as imagens voltam à cidade, os ricos viram donos do santo”. Não era denúncia formal. Era percepção popular - dessas que sobrevivem porque encontram eco na realidade.
A informação se confirmou por outra via: a Diocese de Bragança decidiu que o andor de São Benedito, coração simbólico da festividade, passaria a ser conduzido por 12 “juízes de honra”, rompendo uma tradição de mais de dois séculos em que o santo sempre caminhou nos ombros do povo.
A Festividade de São Benedito não é um rito qualquer. Nascida em 1789, criada por pessoas escravizadas, atravessou Império, República, ditaduras e modernizações sem jamais abandonar seu traço essencial: a condução popular do sagrado.
O andor sempre pertenceu à multidão anônima - homens e mulheres que, em silêncio ou em cânticos, sustentam o peso da fé coletiva. Alterar esse gesto não é ajuste logístico. É mudança de sentido.
O anúncio da novidade partiu do padre Raimundo Elias, reconduzido recentemente à função de Cura da Catedral. O detalhe que não passou despercebido: a fala ocorreu durante o que seria uma pré-homilia, com o bispo Dom Possidônio da Mata presente, sentado ao fundo.
É pouco crível que uma ruptura dessa magnitude seja decisão isolada. Em estruturas hierárquicas como a Igreja Católica, mudanças simbólicas profundas costumam ser colegiadas ou, no mínimo, chanceladas.
A escolha de um grupo fechado para carregar o andor introduz um filtro inédito na festividade. Não se trata de fé, devoção ou merecimento espiritual. Trata-se de seleção.
Ainda que não se conheça formalmente o perfil dos 12 escolhidos, a própria ideia de “juízes de honra” sugere pertencimento a círculos específicos - possivelmente ligados às elites locais - em contraste com o caráter historicamente popular da celebração – e quando o acesso ao sagrado passa a depender de convite, algo essencial se perde no caminho.
Em 2024, a Marujada de Bragança foi reconhecida pelo Iphan como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. O título não é decorativo. Ele reafirma que a festividade ultrapassa os limites estritamente litúrgicos e pertence à memória coletiva, à identidade e à história do povo bragantino.
Não por acaso, há anos existe tensão entre a Irmandade de São Benedito e a diocese, inclusive com desdobramentos judiciais, justamente sobre quem decide, quem guarda e quem conduz a festa. A introdução dos 12 juízes não surge no vazio. Ela se insere em um cenário já marcado por disputas silenciosas de controle.
Nada impede que a Igreja coordene o rito religioso. Mas quando decisões alteram práticas fundantes de uma manifestação popular reconhecida como patrimônio, o debate deixa de ser interno e passa a ser público.
São Benedito sempre caminhou com o povo. Quando alguém decide escolher quem pode carregá-lo, o gesto não é neutro. Ele redefine pertencimentos e testa limites. A festividade segue. A fé resiste, mas o alerta está aceso: mexer no andor é mexer na alma da festa.
Jornalista, natural de Belterra, oeste do Pará, com 48 anos de profissão e passagens pelos jornais A Província do Pará, Diário do Pará e O Liberal.
Comentários
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