Evento considerado um dos maiores da gastronomia regional se encaixa na Conferência do Clima da ONU e deve reafirmar a Amazônia como território de inovação por meio da cozinha.
epois de cinco anos de interrupção, o Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense está de volta em um momento estratégico: às vésperas da Conferência do Clima da ONU, a COP30, que terá Belém, em novembro. A retomada não representa apenas a volta de um dos maiores eventos de gastronomia regional do País, mas também a reafirmação da Amazônia como território de inovação cultural, científica e econômica por meio da cozinha.
Fundado em 2000 pelo chef Paulo Martins, pioneiro na valorização da culinária amazônica no Brasil e no exterior, o festival consolidou-se como vitrine de ingredientes nativos, tradições populares e experimentações contemporâneas. Após a morte de Paulo, em 2010, a filha Joanna Martins assumiu a missão de conduzir o legado familiar e dar novos rumos ao evento, ao Instituto Paulo Martins e ao grupo de empresas que inclui a Manioca, referência na bioeconomia alimentar.
“Retomar o festival neste momento é colocar Belém no mapa novamente. O mundo inteiro está olhando para cá por causa da COP30, e a gastronomia é uma porta de entrada para entender a Amazônia”, afirma Joanna.
Paulo Martins não foi apenas um chef. Foi militante da cozinha amazônica. Transformou ingredientes antes restritos ao uso doméstico ou regional - como jambu, tucupi, priprioca e cumaru - em produtos valorizados pela alta gastronomia. Construiu pontes entre boieiras do Ver-o-Peso, chefs estrelados e pesquisadores de universidades, colocando a cultura alimentar amazônica em discussões internacionais.
O Festival Ver-o-Peso nasceu nesse espírito: o de fazer da gastronomia uma linguagem universal para falar da Amazônia.
“Meu pai entendeu cedo que a Amazônia precisava ser mostrada pelo sabor. Ele dizia que, se o mundo provasse nossa cozinha, passaria a olhar a região com outros olhos”, relembra Joanna.
Com esse propósito, o festival atraiu nomes da culinária brasileira e estrangeira, além de jornalistas e pesquisadores. Ao longo de quase duas décadas, o evento ajudou a consolidar uma identidade gastronômica amazônica contemporânea.
Desde 2010, Joanna Martins assumiu um papel que vai além da gestão do festival. Ela se tornou guardiã do legado de Paulo, fundando o Instituto Paulo Martins, que desenvolve projetos de pesquisa, formação e divulgação da gastronomia amazônica.
No setor privado, criou a Manioca, empresa que industrializa ingredientes regionais em escala, mas sem perder a essência artesanal, distribuindo para supermercados de várias partes do país e exportando para mercados como Estados Unidos e Europa.
“A gente sempre pensou a Manioca como uma forma de democratizar os sabores amazônicos. O que antes só era possível provar vindo a Belém, agora pode estar na mesa de qualquer pessoa, em qualquer lugar”, explica Joanna.
Um dos símbolos mais fortes do festival sempre foram as boieiras do Ver-o-Peso, mulheres que há gerações vendem pratos típicos como maniçoba e tacacá às margens da baía do Guajará.
O festival não apenas abriu espaço para elas, mas as colocou no mesmo patamar de chefs renomados, reconhecendo a tradição oral como conhecimento legítimo.
“O festival tem esse poder de unir saberes. A boieira que aprendeu com a mãe, que aprendeu com a avó, senta ao lado do chef premiado. E ambos têm o que ensinar e o que aprender”, diz Joanna.
Essa integração entre o popular e o erudito, o tradicional e o inovador, continua sendo a marca registrada do evento em 2025.
A edição deste ano chega com formato repaginado. Além das tradicionais cozinhas ao vivo, em que chefs cozinham diante do público, haverá painéis sobre sustentabilidade, bioeconomia, educação alimentar e turismo gastronômico. A expectativa é reunir milhares de pessoas durante os dias de programação, em diferentes pontos da cidade.
Belém, que se prepara para receber delegações de mais de 190 países na COP30, encontra no festival uma espécie de ensaio geral para mostrar sua capacidade de organização e hospitalidade.
A Amazônia é, antes de tudo, um território de abundância alimentar. Mais de 80 espécies nativas de frutas, raízes, sementes e ervas já catalogadas têm potencial de uso gastronômico e farmacêutico. Muitas delas chegaram ao cardápio nacional e internacional graças ao trabalho iniciado por Paulo Martins e continuado por Joanna e outros chefs.
Produtos como o jambu liofilizado (que mantém o efeito de “adormecer a boca”), o tucupi engarrafado, o açaí em pó e a farinha de tapioca pronta para preparo são hoje itens exportados.
“Quando falamos em bioeconomia, não estamos falando apenas de floresta em pé. Estamos falando de valorizar as pessoas que vivem dela, que sabem manejá-la, que transformam ingredientes em cultura”, defende Joanna.
A Manioca se tornou um case nacional de inovação. Criada em 2014, a empresa já ganhou prêmios de sustentabilidade e inovação alimentar. Produz uma linha que vai de temperos a snacks, sempre com base em insumos amazônicos e em parceria com comunidades locais.
A marca é vendida em grandes redes de varejo no Brasil e já chegou a feiras internacionais.
“Nosso desafio é mostrar que um produto da Amazônia não é apenas exótico, mas que pode ser parte do dia a dia de qualquer consumidor. E, ao mesmo tempo, garantir que a cadeia produtiva seja justa para quem está na ponta, nas comunidades”, explica Joanna.
Se o festival sempre teve vocação internacional, em 2025 essa característica ganha força especial. Com a COP30 marcada para novembro de 2026, Belém se prepara para ser palco de um dos maiores eventos multilaterais do mundo.
A gastronomia aparece como porta de entrada para a narrativa amazônica. O festival, portanto, funciona como laboratório cultural e como vitrine de boas práticas em sustentabilidade.
“A COP30 não pode ser só sobre política ambiental. Precisa mostrar também a vida real das pessoas que vivem aqui, o que produzem, o que comem. O festival ajuda a contar essa história”, reforça Joanna.
Apesar do potencial, Belém ainda enfrenta dificuldades em consolidar políticas públicas que sustentem sua vocação gastronômica e cultural. A cidade é reconhecida pela Unesco como Cidade Criativa da Gastronomia desde 2015, mas iniciativas estruturantes são tímidas.
Problemas de infraestrutura, saneamento e turismo receptivo ainda desafiam gestores e empreendedores.
“O título da Unesco é um patrimônio, mas não pode ficar só no papel. É preciso transformar isso em políticas reais, em investimentos. O festival ajuda a lembrar desse compromisso”, analisa Joanna.
Jornalista, natural de Belterra, oeste do Pará, com 48 anos de profissão e passagens pelos jornais A Província do Pará, Diário do Pará e O Liberal.
Comentários
ALina Kelian
19 de Maio de 2018 ResponderLorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipisicing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua. Ut enim ad minim veniam, quis nostrud exercitation ullamco laboris nisi ut aliquip ex ea commodo consequat.
Rlex Kelian
19 de Maio de 2018 ResponderLorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipisicing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua. Ut enim ad minim veniam, quis nostrud exercitation ullamco laboris nisi ut aliquip commodo.
Roboto Alex
21 de Maio de 2018 ResponderLorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipisicing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua. Ut enim ad minim veniam, quis nostrud exercitation ullamco laboris nisi ut aliquip ex ea commodo consequat.