rasília e São Paulo - A disputa pelo cargo de CEO da Vale produziu, além de uma lista oficial de candidatos, uma corrida paralela em que se enfrentam nomes ligados ao governo Lula, de alas representadas pelos ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Alexandre Silveira, de Minas e Energia. A Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, também avalia o currículo de um potencial candidato.
Uma primeira lista de selecionados com 15 nomes circulou no mês passado, mas
ainda não há consenso entre os conselheiros, que representam os acionistas da
Vale, sobre o escolhido. Pelo cronograma estabelecido pela empresa para a
sucessão do atual presidente, Eduardo Bartolomeo, um conjunto mais restrito tem
de afunilar até o fim deste mês.
Sob o argumento de que o conselho chega dividido ao processo de sucessão, novos
nomes ingressaram na corrida, cada um com seu padrinho político.
“Cenário Mantega”
Diferentemente
do “cenário Guido Mantega”, quando houve uma ordem do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva para encaixar o aliado no posto, desta vez, pelo menos até o
momento, não há um candidato do governo.
Segundo apurou o “Estadão”, porém, há dois nomes vinculados ao governo na
corrida paralela: o número 2 de Fernando Haddad, Dario Durigan; e um executivo
da Vale, Marcelo Spinelli, tratado como aposta de Alexandre Silveira.
Procurado, Durigan e o Ministério da Fazenda não se manifestaram, nem o
executivo da Vale.
Acordos emperrados
Dois
importantes acordos da Vale com o governo estão emperrados: a indenização pelo
desastre de Mariana e o pagamento de outorgas por uso de ferrovias federais.
Silveira nega ser padrinho de Spinelli. Mas criticou a empresa, dizendo que “só
uma pessoa com o espírito do Papa Francisco seria capaz de fazer a Vale cumprir
com seus compromissos sociais”.
“Já disse e repito com todas as letras que sou contra qualquer candidato ligado
ao governo para a Vale e que não atuo nessa questão. Essa insistência, até
folclórica, essa especulação insistente de que estaria apoiando alguém não
procede”, disse Silveira. “Só alguém com esse espírito (do Papa Francisco) pode
tocar a atual direção da Vale, que está acéfala e que tem empurrado o acordo de
Mariana com a barriga.”
Saída de consenso
Dario
Durigan despontou na corrida em conversas lideradas pela Bradespar, o braço de
investimentos do Bradesco e um dos acionistas de referência da Vale, como uma
saída de consenso, uma vez que os sócios privados não se entendem e menos ainda
se entendem com o governo. Procurada para comentar, a Bradespar informou que
vai aguardar o resultado dos trabalhos dos comitês e do conselho e apoiar a
governança da Vale.
Segundo apurou o Estadão, Durigan disse a conselheiros da Vale que não é um
candidato do governo e que só entrará no páreo se for para produzir um consenso
entre os sócios. E um adicional: que não o vejam como um nome de Alexandre
Silveira. Ou seja, existe uma diferença entre os ministérios da Fazenda e de
Minas e Energia sobre qual relação deve ser estabelecida com a companhia.
O ministro Silveira, por sua vez, intensificou as críticas à Vale nos últimos
dias e chegou a dizer que pediria à Advocacia-Geral da União (AGU) para
acelerar os processos contra a empresa. Seu virtual candidato, Marcello
Spinelli, não aparece entre os principais cotados para a sucessão.
O dedo de Lula
Há
uma percepção generalizada entre os conselheiros, desde o episódio Guido
Mantega, de que Brasília espera apenas uma brecha para interferir nas decisões
da companhia, a segunda maior do País, atrás somente da Petrobras.
Esse temor é o pano de fundo do atual estado das coisas na empresa, que mantém
Eduardo Bartolomeo no cargo, ainda que com poderes cada vez mais rarefeitos,
numa tentativa de criar um anteparo aos avanços de Lula.
No atual processo de sucessão, os conselheiros têm buscado passar a imagem de
que a seleção do novo CEO será feita sem intervenção política e por um nome que
demonstre ser independente das demandas do governo. Um deles chegou a prever
que qualquer tipo de conexão com Brasília será “mortal” aos candidatos.
O perfil desenhado para o escolhido, no entanto, tem como principal atributo o
de “extraordinário comunicador e de relacionamento” com o governo federal e
autoridades estaduais. Em suas atividades como mineradora, a Vale depende de
autorizações, licenças e concessões públicas.
Vazio de comando
Dois
importantes acordos da Vale com o governo estão emperrados, e integrantes de
diferentes ministérios atribuem a demora a um alegado “vazio de comando” na
companhia: a indenização pelo desastre de Mariana (MG) e o pagamento de outorgas
por uso de ferrovias federais. Os dois casos esperam no momento por uma
resposta do governo.
Em junho, a Vale e a BHP, sócia no desastre ambiental, ampliaram a oferta de
indenização aos órgãos públicos para R$ 140 bilhões. No caso das ferrovias, os
termos para o pagamento de valores extras, que o governo já estimou em R$ 25,7
bilhões, esperam por aprovação do Planalto.
O caminho por uma solução interna tem força diante das divisões no conselho de
administração, e a aposta é que pelo menos um executivo da Vale seja incluído
na lista de finalistas levados pela consultoria Russell Reynolds para a
deliberação do conselho de administração.
Marcello Spinelli, tido como candidato de Silveira, tem menos força do que o
atual CFO, Gustavo Pimenta, cujo nome é citado por representantes de
investidores privados como eventual bola de segurança, caso as alternativas
externas não avancem. Pimenta é bem cotado entre pelo menos sete dos atuais 11
conselheiros (há dois cargos vagos no conselho) e bem visto no mercado
financeiro. O nome dele também tem aceitação na Previ, o fundo de pensão dos
funcionários do Banco do Brasil.
O cerco da Previ
Dona de quase 10% da empresa e com dois representantes no conselho de
administração da Vale, a Previ passou a trabalhar no mês passado, no entanto,
em um nome próprio para a vaga de Bartolomeo, expondo divisões no conselho.
Segundo pessoas a par da negociação no setor privado, a Previ está buscando o
apoio de outros acionistas para indicar o executivo Luciano Siani Pires, que esteve
por 15 anos na companhia e saiu em 2023. Informações sobre a passagem dele na
Vale foram levantadas pelo fundo de pensão. Procurada, a Previ informou que
respeita a governança da Vale.
Luciano Siani iniciou a carreira no BNDES, onde se aproximou do então
presidente Luciano Coutinho. Tornou-se executivo da Vale em 2008 pelas mãos de
Roger Agnelli (falecido em 2016) e chegou a diretor financeiro e de estratégia
no período de 2012 a 2021. Conviveu quase quatro anos na gestão do atual CEO da
empresa, que assumiu em abril de 2019, em plena crise do rompimento da barragem
de Brumadinho (MG). O executivo deixou a companhia no ano passado, após uma
série de mudanças feitas por Bartolomeo na diretoria executiva da Vale.
Procurado, Siani não quis comentar. Em nota enviada à reportagem, a Previ
informou que trabalha para “construir e fortalecer a governança da Vale”.
“Isso não mudou durante o processo de seleção do presidente. A Previ continua e
continuará a respeitar a governança da Vale”, informou. “Comunicado recente
divulgado pela Vale, baseado em apuração realizada por empresa independente,
comprova que a governança da companhia está sendo seguida. Os investimentos da
Previ são realizados com uma única finalidade: pagar benefícios. Preservar a
governança da Vale e, consequentemente, a solidez da companhia é fundamental na
continuidade do cumprimento dessa missão.”
Conselho dividido
A divisão no conselho de administração da Vale vem de antes do processo de sucessão e decorre de visões divergentes quanto aos rumos da empresa, principalmente no que diz respeito à convivência com o governo. De um lado, investidores estrangeiros têm sido relacionados a uma visão mais independente, com aversão a qualquer sinal de interferência. Já os nacionais, como Bradespar e Cosan, costumam ser colocados como dispostos a dialogar com Brasília.
O racha tornou-se explícito em fevereiro, quando foi levada à votação a opção
de manter Bartolomeo no cargo. O placar foi de um empate de 6 a 6 e uma
abstenção, com os estrangeiros majoritariamente na defesa da permanência de
Bartolomeo e contra qualquer troca que pudesse sugerir infiltração do governo.
Ainda que todos digam defender a independência da empresa, o impasse sobre como
manter a relação com o governo permanece até hoje, o que produz incertezas
sobre o desfecho do processo de troca de comando na companhia.
Procurada, a Vale informou que o processo de sucessão de Bartolomeo segue o
cronograma e que a consultoria contratada trabalha na formulação da lista de
candidatos a ser levada ao conselho.