Diálogos entre MPF e quilombolas de Barcarena (PA) expõem conflitos territoriais

Moradores relataram desafios históricos, como a perda de territórios tradicionais devido a invasões,

23/05/2025, 10:30
Diálogos entre MPF e quilombolas de Barcarena (PA) expõem conflitos territoriais

O Ministério Público Federal (MPF) realizou, entre os últimos dias 12 e 15, uma série de reuniões com comunidades quilombolas de Barcarena (PA) para coletar informações atualizadas sobre os problemas enfrentados por essas comunidades e para divulgar novidades sobre a atuação do MPF na defesa dos direitos delas. O procurador da República Rafael Martins e equipe visitaram as comunidades do Burajuba, Cupuaçu/Boa Vista, Gibrié de São Lourenço, São João e Sítio Conceição.

Durante as reuniões, os moradores relataram desafios históricos, como a perda de territórios tradicionais devido a invasões, a falta de reconhecimento formal de suas terras e os impactos ambientais causados por empreendimentos próximos, como poluição de rios e desmatamento. “Água é vida! E nós não temos água para beber, não podemos pescar e nem tomar banho. Se continuar desse jeito, em pouco tempo não terá mais quilombolas em Barcarena”, destacou a liderança Maria do Socorro Costa da Silva, da comunidade do Burajuba.

Na comunidade São João, a liderança Sandra Amorim lembrou da tristeza que sentiu ao quase ter que cancelar uma festa do Dia das Mães porque praticamente todas as mulheres convidadas estavam doentes. “Há muitas pessoas doentes, que estão bebendo água de carros-pipa que não sabem de onde vêm”, enfatizou.

Nos diálogos realizados na comunidade São João, a liderança Maria Salustiana Cardoso relatou que cachorros, galinhas e plantações morreram. “Antes, a gente tinha açaí, pupunha, cupuaçu e castanha, e hoje em dia só temos açaí, e, quando consumimos esse açaí, passamos mal”, contou.

Na comunidade Cupuaçu/Boa Vista, Luciene Santos Pinheiro destacou a devastação de áreas de roça e a ameaça constante de ocupações irregulares, que comprometeram o acesso a recursos naturais essenciais, como a pesca e a agricultura. “Hoje, a gente não tem mais roças, não tem mais como pescar, a gente perdeu tudo. Antes, a gente não comprava, tudo era tirado da terra, tirado da pesca. Hoje, a gente não tem nem local mais para trabalhar”, afirmou.

Outras questões levantadas incluíram a ausência de serviços básicos, como transporte, saúde e energia elétrica, e a falta de reconhecimento das comunidades pelo município, o que impede o acesso a programas habitacionais e outros benefícios. “O município não nos reconhece, então perdemos nossa identidade. Não conseguimos moradia, escola, nada”, lamentou uma liderança.

Ação judicial – O procurador da República Rafael Martins informou que, desde 2024, o MPF move uma ação para anular a doação ilegal de terras da União ao município de Barcarena, realizada sem considerar a presença das comunidades quilombolas, em violação à Constituição Federal. “O MPF considera que essa doação foi ilegal, e o principal motivo da ilegalidade dessa doação foi ter ignorado que vocês existiam aqui”, afirmou Martins.

A ação também requer a demarcação dos cinco territórios pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que não cumpriu o prazo de um ano para concluir o processo. Com base nos relatos das comunidades, o MPF vai novamente cobrar que o Incra avance para concluir essa obrigação, segundo afirmou Martins.

Uma decisão liminar da Justiça Federal já proíbe a retirada de moradores ou a ocupação das áreas quilombolas para empreendimentos, como condomínios ou projetos empresariais. No entanto, o procurador da República destacou que a demora na regularização fundiária agrava as invasões, e pediu que as comunidades documentem esses problemas com fotos, mapas ou relatos para fortalecer a ação judicial.

Impactos e consulta – Os moradores denunciaram a ausência de consulta prévia, livre e informada, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), para empreendimentos que afetam seus territórios. Um exemplo foi a instalação de tubulações de esgoto pela empresa Águas de São Francisco, realizada sem diálogo com a comunidade e com risco de contaminação dos rios. “Esse esgoto vai cair nos nossos rios, onde pescamos. Como vai ser o futuro dos nossos filhos?”, questionou uma moradora de Cupuaçu/Boa Vista.

Rafael Martins reforçou que qualquer empreendimento que impacte as comunidades, mesmo fora do território, exige consulta prévia. Ele orientou que os moradores relatem imediatamente novos projetos ou invasões, especialmente se realizados pelo município, para que o MPF possa intervir com base na decisão judicial.

Compromisso do MPF – O MPF se comprometeu a articular com outros órgãos, como a Defensoria Pública, e a pressionar o Judiciário e o Incra para agilizar a demarcação das terras. Martins destacou a importância da participação ativa das comunidades, incluindo a autodemarcação dos territórios por meio de plataformas como o "Territórios Vivos" do MPF. “Nosso sonho é que vocês não dependam do MPF, e sim que o MPF seja só um catalisador, um amplificador da voz dos povos e comunidades tradicionais”, frisou Martins.

 

Fonte e foto: MPF

Mais matérias Cidades