Ausência de outros europeus no encontro entre os dois líderes globais preocupa o velho continente
Desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca, os líderes europeus se
apressaram em cortejá-lo, com elogios exagerados e convites pomposos, para
amaciar o republicano em suas posições sobre a Otan e a guerra na Ucrânia.
Apesar de bem-sucedida à primeira vista, a tática será testada nesta
sexta-feira, 15, durante a cúpula entre o presidente dos Estados Unidos e o
líder russo Vladimir Putin, no Alasca.
Os europeus não foram convidados para a cúpula, assim como o presidente da
Ucrânia, Volodmir Zelenski, e ligaram o sinal de alerta depois que Trump
sinalizou a possibilidade de fazer um acordo entre Moscou e Kiev que envolveria
"trocas de terras".
Nos últimos meses, o presidente americano parecia alinhado com os líderes
europeus sobre a Ucrânia. Depois de demonstrar ceticismo em relação à ajuda
militar americana à Kiev e bater boca com Zelenski na Casa Branca, Trump mudou
o tom e passou a criticar os ataques russos e a disposição de Putin em acabar
com a guerra. Mas um encontro a sós entre Putin e Trump pode mudar novamente a
posição do presidente americano sobre o conflito e alinhar os pontos de vista
de Washington e Moscou sobre como acabar a guerra.
"Os europeus foram pegos de surpresa por essa cúpula", destaca
Charles Kupchan, analista do Council on Foreign Relations e professor de
relações internacionais da Universidade de Georgetown. "Depois de ter sido
hostil a Zelenski e amigável com Putin por vários meses, Trump pareceu ter
percebido que Putin estava se aproveitando dele. E então, de repente, ele
anuncia que convidou Putin para uma cúpula no Alasca".
Preocupações
A cúpula despertou preocupações entre lideranças da Europa porque ressaltou uma
diminuição na influência dos europeus em relação a um conflito em seu próprio
quintal. Os líderes temem que o encontro entre Putin e Trump seja o início de
um projeto maior de "nova ordem mundial", que teria os dois
mandatários e o presidente da China, Xi Jinping, como grandes líderes em um
movimento similar à Conferência de Yalta, em 1945, que reuniu o então
presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt, o primeiro-ministro do Reino
Unido Winston Churchill e o líder da União Soviética Josef Stalin para dividir
a Europa em esferas de influência depois da derrota da Alemanha nazista.
"O fato de os líderes europeus não terem sido convidados para esta cúpula
mostra que a Europa se tornou um ator secundário neste novo momento de Great
Power Politics", avalia Vinicius Rodrigues Vieira, professor de relações
internacionais da FGV-SP Para o especialista, os países europeus perderam
prestígio porque investiram muito no chamado "soft power" e pouco em
poder militar. "A Europa não vai ter um lugar na mesa principal desse novo
mundo pós-multilateralismo e terá uma liderança reduzida, o que é inédito nos
últimos 80 anos".
Por isso, os europeus temem os efeitos práticos de uma negociação entre Putin e
Trump que não envolva Zelenski e os líderes do velho continente. O receio é de
que o presidente americano negocie pela Ucrânia e concorde com um tratado em
que Kiev cederia terras que os russos não controlam na região do Donbas em
troca de uma trégua que congelaria as zonas de combate em outros locais da
Ucrânia.
Um acordo nestas condições seria impossível para Kiev, que rejeita a
possibilidade de ceder territórios que controla. A negativa ucraniana poderia
levar Trump a deixar a Ucrânia à própria sorte. "Trump pode voltar a sua
posição antiga de acreditar que o problema é a Ucrânia", diz Kupchan, do
Council on Foreign Relations. "Ele pode simplesmente virar as costas e ir
embora se Kiev não concordar com um eventual acordo costurado por ele e Putin
no Alasca".
Ucrânia e o papel da Europa
Sem um lugar na mesa de negociação, os líderes europeus tentaram influenciar
Trump antes da cúpula no Alasca em uma reunião por videoconferência na
quarta-feira, 13, que contou com a presença de Zelenski. O chanceler da
Alemanha, Friedrich Merz, e Zelenski afirmaram em uma entrevista coletiva após
a conversa online que Trump concordou com "cinco princípios" para as
conversas com Putin.
Entre os princípios estão a presença de Kiev na mesa de negociação para um
tratado de paz, a recusa em concordar com termos de paz antes de um
cessar-fogo, garantias de segurança para a Ucrânia em um futuro pós-guerra e um
compromisso em aumentar a pressão econômica sobre a Rússia se as negociações
não levarem a um acordo. Antes do encontro, Trump também ressaltou que uma
segunda cúpula será marcada com a presença de Putin e Zelenski e ameaçou que a
Rússia sofreria "severas consequências" se não concordasse com o fim
da guerra.
De acordo com Kupchan, as expectativas para o evento são baixas e não existe um
"sinal claro" de que Putin está preparado para realizar um acordo.
"Não acredito que Putin esteja pronto para flexibilizar suas demandas
maximalistas que incluem a desmilitarização da Ucrânia e a instalação de um
governo pró-Rússia". Um acordo que conte com todas as exigências de Putin
seria inaceitável para a Ucrânia e seus aliados europeus, segundo o analista.
O papel dos europeus em um eventual tratado de paz também é incerto. O
primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, ventilou a possibilidade de
enviar tropas britânicas ao lado de soldados de outros países da Otan para
servirem como forças de manutenção de paz em uma zona tampão entre os dois
países, mas a ideia foi rejeitada por Moscou.
Ameaça russa
Líderes europeus avaliam que um tratado de paz mais favorável a Moscou poderia
significar um possível avanço territorial russo para o flanco oriental da Otan.
Os países bálticos e a Polônia, que faziam parte da União Soviética, convivem
há anos com ações de espionagem, intimidação e sabotagem de Moscou.
De acordo com uma série de documentos que foram revelados por um consórcio de
jornalistas de veículos da Lituânia, Polônia, Alemanha, Letônia, Estônia e
Reino Unido em 2023, o Kremlin confeccionou, a partir de 2021, um plano para
influenciar diretamente os países bálticos, com o objetivo de afastá-los do
Ocidente. Essas metas consistiam no enfraquecimento das instituições
democráticas nesses países e em expandir a influência cultural russa na região.
O interesse de Putin no Báltico tem origem na desintegração do bloco soviético
e mistura objetivos estratégicos de recriar uma zona de influência na fronteira
ocidental russa. O presidente russo já deixou claro que não quer que mais
países considerados da esfera de influência russa como Ucrânia, Geórgia e
Moldávia ingressem na Otan e exige a retirada de tropas da aliança de países
que eram da União Soviética e entraram na Otan, como os bálticos e a Polônia.
Para os países de aliança, a possibilidade de uma guerra com a Rússia é real. O
secretário-geral da Otan, Mark Rutte, afirmou em um evento em junho que a
Rússia estaria preparada para uma guerra contra a Otan em cinco anos. "Com
os níveis atuais de investimentos, não nos manteremos salvos", admitiu o
secretário-geral da Otan, Mark Rutte, em entrevista recente à Bloomberg.
"Como Otan, o que nós produzimos em um ano inteiro em munições - que é
crucial - é o que a Rússia produz em três meses Não é sustentável. Não
poderemos nos defender se não resolvemos esses dois pontos: investimento e
produção em Defesa".
Relação com Trump
O sinal de alerta dos europeus sobre a guerra na Ucrânia e a Otan ditou o tom
da relação com Trump desde sua volta à Casa Branca. Durante o primeiro
semestre, os principais líderes do continente visitaram Washington e tentaram
bajular o republicano, mesmo durante duras negociações sobre um acordo
comercial entre Estados Unidos e a União Europeia.
O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, que foi escolhido para o cargo devido
ao seu perfil conciliador durante seu período como primeiro-ministro da
Holanda, fez de tudo para contar com o apoio de Trump para a aliança militar.
Ele reduziu o tempo da cúpula e garantiu que o único tema do encontro que
ocorreu em Haia no mês de junho fosse a aprovação da nova meta da aliança de
gastar 5% do PIB em defesa até 2035. Rutte também viralizou nas redes sociais
ao exagerar nos elogios e chamar Trump de "papai" que lida com
crianças briguentas, ao tratar da guerra entre Israel e Irã.
A estratégia de bajular Trump foi considerada positiva por manter o presidente
americano engajado em temas essenciais para os europeus, mas a cúpula no Alasca
colocou em dúvida o real poder de influência dos líderes do Velho Continente.
"Sem a possibilidade de construir um poder militar imediato, os europeus
não tiveram escolha senão protagonizar cenas como essa de Rute chamando Trump
de 'papai'", opina Vinicius Rodrigues Vieira, da FGV-SP.
O analista destaca que Trump aprecia elogios e gestos de prestígio diplomático,
mas isso não vai ajudar a Europa no longo prazo. "No curto prazo a
estratégia europeia funciona com Trump, mas também reforça o próprio declínio
europeu no longo prazo e mostra como eles se tornaram, na prática, um
protetorado dos Estados Unidos".
Já Charles Kupchan destaca que a postura europeia foi importante para reduzir
as tensões entre aliados de longa data e avançar em temas importantes.
"Por um lado, Trump é um valentão e é preciso enfrentá-lo, mas por outro,
se os europeus enfrentassem Trump, criticassem Trump, retaliassem pelas tarifas
de Trump, todos nós acabaríamos em uma situação pior".
Fonte: Estadão conteúdo/
Foto: Alexey NIKOLSKY / Sputnik / AFP
Jornalista, natural de Belterra, oeste do Pará, com 48 anos de profissão e passagens pelos jornais A Província do Pará, Diário do Pará e O Liberal.
Comentários
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