Em carta dramática aos militantes, sindicalista diz que tendência Primavera Socialista perdeu objetivos e se transformou em um grupo de interesses, mas faz “mea culpa”.
êmeo em grego é didymo. Dídimo, em português, é o que se desenvolve aos pares, o que é duplo. Para ser duplo, não é necessário ser “gêmeo”, no sentido literal. Irmãos são duplos, especialmente quando crescem e permanecem juntos por grande parte de suas existências e se tornam complementares.
A
literatura e a mitologia destacam disputas trágicas entre irmãos ao longo da
história - Caim e Abel, Rômulo e Remo - e exploram como essas narrativas
míticas influenciaram a compreensão da natureza humana. A rivalidade entre
irmãos é um tema recorrente do imaginário popular, desde Ésquilo até Machado de
Assis, refletindo sobre o Eros fraterno como um elemento significativo na
representação.
Na
esquerda paraense, dois irmãos politicamente siameses, Aldenor Jr e Luís
Araújo, se destacam pela longeva militância em comum, construindo o que hoje se
expressa no Psol, mas que começou no PT e, antes disso, na militância de base,
junto aos movimentos sociais e na organização de um dos agrupamentos de
extrema-esquerda que combatiam a ditadura, o Movimento de Emancipação do
Proletariado - MEP. Formado em jornalismo, Aldenor Jr é o principal assessor e
conselheiro de Edmilson Rodrigues, o prefeito de Belém, desde os anos 1980,
quando o então sindicalista e professor assumiu seu primeiro mandato como
deputado estadual. Também formado em História pela UFPA, professor da UNB, Luiz
Araújo foi dirigente estudantil, dirigente sindical, deputado estadual,
secretário de Educação em Belém e presidente do Psol, sendo substituído por
Juliano Medeiros, que pertence ao mesmo agrupamento e ficou na presidência do
partido até o último congresso.
Ambos
integravam a direção da Primavera Socialista, uma das correntes internas do
Partido Socialismo e Liberdade, o Psol.
No
final do ano, depois de uma temporada integrando o secretariado de Edmilson,
Luiz Araújo anunciou seu retorno para Brasília, desligando-se da administração
da capital. Ontem, Araújo distribuiu para militantes do Psol sua carta de
despedida da corrente em que militava, anunciando sua adesão ao grupo liderado
por Guilherme Boulos, que tem ainda como integrante a atual presidente do
partido, Paula Coradi. O grupo foi fundado em junho de 2019, a partir da fusão
de várias correntes, incluindo a Ação Popular Socialista - Corrente Comunista
(APS-CC), o Coletivo Rosa Zumbi e o Somos Psol.
A
Revolução Solidária (RS) é uma corrente do Psol liderada por Guilherme Boulos e
surgiu da união entre a Unidade Aberta e o Movimento dos Trabalhadores sem Teto
(MTST). A corrente também inclui setores do Fortalecer o Psol e parte da
militância partidária das Brigadas Populares. A Primavera Socialista e a
Revolução Solidária formam o campo Psol Popular, que é a maioria no partido.
O
texto de Luiz Araújo é um marco. Trata da difícil decisão do autor de se
desligar de uma organização na qual dedicou a maior parte de sua vida. Ele
descreve suas experiências ao longo de 46 anos na organização, mencionando
momentos históricos e pessoais importantes, assim como os motivos que o levaram
a tomar essa decisão. O autor destaca deficiências e mudanças identificadas na
organização ao longo do tempo, assim como a falta de alinhamento de objetivos e
a perda do sentido coletivo. Ele reconhece sua parcela de responsabilidade
nessas questões e expressa a necessidade de encontrar um novo projeto que o
empolgue e o motive a continuar lutando por transformações sociais. Por fim,
anuncia sua saída e expressa o desejo de que seu afastamento seja motivo de
reflexão para a organização.
Embora
sem citar ou se referenciar aos problemas de governabilidade da administração
municipal da capital, eles estão ali, nas entrelinhas: o grupo do prefeito de
Belém se transformou em um grupo de interesses pessoais, que só almeja disputar
mandatos e são fortes apenas porque dirigem a máquina do Psol.
Sem
culpa, a literatura costuma reutilizar temas universais como fonte inesgotável
de inspiração. As tramas que costumam chamar mais a atenção do público são
aquelas com inúmeras reviravoltas e que não necessariamente terminam bem, como
é o caso da tragédia grega. Entre tantos tipos de demonstração de afeto – que,
uma vez exacerbado, acaba tornando-se ódio - o Eros fraterno é um dos mais
antigos. É pródigo em finais imprevisíveis.
Carta
de desligamento da corrente Primavera Socialista
Essa
deve ser uma das decisões mais difíceis da minha vida.
Desde
os 15 anos dedico minha vida a transformar o mundo. E nesses 46 anos sempre
estive construindo meus sonhos na mesma organização. É muito tempo, muita
aposta num único caminho. Passei pelo racha sofrido pelo MEP em 82, pela fusão
que formou o MCR, pela decisão de ser uma tendência interna no PT (Força
Socialista), pela saída doída do PT (reconhecendo que havíamos perdido a batalha
de torná-lo um instrumento de transformação social radical), pela criação da
APS, ajudei a administrar o rescaldo após o racha na APS e estou aqui após a
criação da Primavera Socialista. Acompanhei a entrada e saída do PT e
acompanhei a entrada e luta para construir uma maioria dentro do Psol.
O que
me manteve na mesma posição durante mais de quatro décadas, com tantas mudanças
de conjuntura e de ambiente onde a disputa revolucionária acontecia? É uma
pergunta que tem pelo menos duas respostas. A primeira que vem à minha mente é
a concordância com um projeto coletivo, projeto em que vários revolucionários
dedicaram a melhor época de suas vidas. A segunda, não menos importante, é que
sempre fugimos do isolamento, nosso projeto sempre esteve ancorado na certeza
de que uma transformação social é obra de milhões e sem dialogar com seus
sentimentos seríamos apenas um grupo irrelevante e com boas ideias.
Mas,
com o passar dos anos, como escrevi em documento interno ao debate do 2º
Encontro da Primavera Socialista, fomos perdendo algumas características
fundamentais enquanto grupo político e não tenho lido, ouvido e principalmente
visto vontade ou disposição para mudar as carências e deficiências que foram se
acumulando e, mesmo que lentamente, corroendo o sentido coletivo de nossa
existência.
No
documento “É preciso coragem para um novo começo”, escrito por mim e pela Joyce
Garófalo, enumeramos as principais deficiências que acumulamos, dentre elas
perda de nossa capacidade de formulação teórica, funcionamento de uma federação
de grupos locais, unidos numa memória histórica comum e em objetivos comuns
imediatos, não conseguimos manter um funcionamento democrático, seja no
funcionamento das instâncias, em todas as esferas, seja na circulação de
orientações e decisões. E mesmo os avanços pontuais de formulação não tiveram
as consequências práticas necessárias, o que explica perda de várias
lideranças, especialmente negras. Nos tornamos uma força relevante por que
controlamos o aparato partidário, mas não temos relevância em nenhum movimento
social, seja antigo ou novo.
O
documento resumia nosso pensamento: “o formato que temos hoje, nosso
funcionamento e nossa formulação (ou limite dela) não nos permite cumprir as
tarefas de ser um agrupamento bem posicionado para a próxima fase da luta
social em nosso país. Estamos diante de um esgotamento das potencialidades do
que somos e isso não começou agora, mas no momento os sinais são claros e não
podem ser ignorados”.
Os
dois anos e meio de retorno a Belém, maior base política de nossa organização e
local onde militei a maior parte da vida ao invés de me realimentar para
enfrentar os problemas que precisamos resolver, deu-me a certeza de que o que
achava que éramos é mais uma imagem do passado do que uma realidade do
presente. Se não posso reproduzir o que somos no Pará para todo o Brasil, mas
asseguro que com cores fortes é parte significativa de nossa fotografia.
No
berço da Cabanagem somos grandes, temos parlamentares, governamos a capital do
Estado, temos ampla maioria no Psol, mas não somos uma organização. Temos
valorosos militantes, isolados e sendo formados num emaranhado de grupos de
interesse, de mandatos e futuros mandatos, sem espírito de corpo, sem nenhuma
discussão política relevante e formativa, sem solidariedade com os demais.
Pequenos ou grandes grupos em torno de projetos pessoais ou, quando coletivos,
de uma fração do coletivo. Algo desalentador.
Não
me eximo das responsabilidades que me cabem no quadro que vivemos. Estive em
posições de comando e devo ter feito menos do que poderia ou deveria. Vi a
perda de lideranças negras incomodadas com falta de espaço e nada fiz. Vi a
consolidação de projetos pessoais em várias partes e nada fiz. Aceitei
determinadas práticas sempre em nome do bem maior, não deixar o Psol se tornar
irrelevante. Mas não medi ou alertei o suficiente para as consequências dos
caminhos escolhidos.
Por
motivos de saúde não pude estar presente no debate do Encontro Nacional, mas
lendo as resoluções e acompanhando os seus desdobramentos (ou não
desdobramentos), fica nítido que os problemas crônicos não foram enfrentados ou
foram considerados administráveis. Continuamos priorizando os calendários
eleitorais e partidários e esperando por um milagre.
Certa
vez, num debate com a militância da Primavera em Belém, fui chamado de
romântico. Pode ser, acredito que me levanto todo dia com vontade de lutar por
que acho que estou dando minha parcela de contribuição para um projeto
coletivo. Vou completar 61 anos daqui a dois meses, me sobram 19 anos úteis,
período produtivo e que não estarei ainda dando trabalho para outras pessoas.
Sinceramente, depois de 46 anos de dedicação a um projeto que foi perdendo o
sentido coletivo, deixando o sonho de transformação social em segundo plano,
pretendo dedicá-los essas duas últimas décadas a um projeto que pelo menos me
empolgue a me levantar e sair para lutar todos os dias. Preciso disso, é a vida
que sei viver. Não vejo na Primavera mais a possibilidade de me oferecer esse
sonho coletivo de mudanças que me alimente nessas últimas duas décadas de vida
útil. E chegar a essa conclusão é algo profundamente dolorido para mim.
Não
sei viver sem militar pela transformação social. É o que sempre deu sentido a
minha existência. Seguirei fazendo o que sempre fiz, ajudando a construir
projetos coletivos.
Assim,
anuncio a nossa militância que estou me desligando da corrente. Tenho
consciência de que quando saímos a tendência é realçar nossas falhas e
defeitos, forma de evitar sangrias internas. Por isso, falhas eu reconheço de
imediato. Poupo o trabalho.
Desejo
que minha saída sirva de reflexão.
Março
de 20
Luiz
Araújo.
Jornalista, natural de Belterra, oeste do Pará, com 48 anos de profissão e passagens pelos jornais A Província do Pará, Diário do Pará e O Liberal.
Comentários
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