MPF intervém e cobra respeito aos povos indígenas que têm circulação restrita Apreensões recordes expõem engrenagem mineral enquanto COP tenta manter a pose Baixa adesão, atraso e bronca religiosa marcam abertura de evento com prefeitos
COP30

MPF intervém e cobra respeito aos povos indígenas que têm circulação restrita

Incidentes na Green Zone, barreiras de segurança e problemas estruturais na Aldeia COP; discurso oficial e realidade não batem no maior encontro climático do planeta.

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  • Da Redação | Coluna Olavo Dutra
  • 21/11/2025, 11:00

Lideranças denunciam tratamento diferenciado na Green Zone, onde são impedidos de circular com objetos culturais e artefatos/Fotos: Divulgação-Redes Sociais.


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coordenação da COP30 em Belém fez questão de divulgar que esta seria a edição com a maior presença indígena da história - cerca de 3 mil pessoas, de etnias brasileiras e de países panamazônicos, com mil delas participando diretamente das discussões climáticas. Mas, na prática, a recepção não correspondeu ao discurso. 

Em pelo menos duas ocasiões, o Ministério Público Federal precisou intervir após episódios em que povos indígenas foram impedidos de circular ou de entrar com objetos culturais na Green Zone, área controlada pela organização do evento.

Na semana passada, jornalistas comentavam nos corredores o contraste gritante: indígenas sentados pelo chão da Green Zone, enquanto a Blue Zone acomodava delegações oficiais em salas climatizadas, com mesas, cadeiras e estrutura adequada. O desconforto visual revelava uma contradição estrutural - a COP climática que se orgulha da “maior participação indígena” não conseguiu garantir sequer o básico para quem deveria estar no centro da agenda.

Recomendação urgente

Na quarta-feira, 19, o MPF recomendou à Secretaria Extraordinária para a COP30 medidas imediatas para impedir que indígenas e comunidades tradicionais sejam barrados na entrada da Green Zone por portar instrumentos e artefatos culturais, religiosos ou cerimoniais. A orientação também foi direcionada aos agentes de segurança, com prazo de 24 horas para cumprimento.

O órgão lembrou que a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas garante a proteção e o uso livre de objetos de valor cultural - de desenhos e tecnologias tradicionais a instrumentos e cerimônias - e assegura o direito de praticar e ensinar suas tradições espirituais e religiosas.

Mas há incidentes

O primeiro episódio ocorreu no dia 12, quando os portões da Green Zone foram fechados entre 14h e 14h30. Segundo relatos, a justificativa foi a presença de indígenas portando arcos, flechas e bordunas. O bloqueio impediu a entrada de todos - indígenas e público geral — sob calor extremo e sem explicação oficial. A Secop afirmou que o povo Munduruku chegou ao local com objetos considerados “cortantes” ou “potencialmente perigosos” pela segurança da ONU, e que o material foi retido pelo Ministério dos Povos Indígenas.

O segundo incidente aconteceu no dia 17: o grupo musical Suraras do Tapajós, formado por mulheres indígenas, foi impedido de entrar com instrumentos musicais, sob alegação de “risco de manifestação” - mesmo tendo sido convidado para uma apresentação no estande do Ministério do Turismo. O procurador da República Rafael Martins da Silva classificou a retenção como “arbitrariedade”, lembrando que os instrumentos são parte da identidade cultural desses povos e não podem ser tratados como armas.

Aldeia COP na mira

O MPF instaurou também uma apuração sobre as condições de hospedagem na Aldeia COP, montada na Escola de Aplicação da UFPA para receber cerca de 3 mil indígenas durante o evento. Um relatório de inspeção revela problemas recorrentes - de abastecimento de água a estrutura sanitária insuficiente.

Na segunda-feira, 17, fortes chuvas provocaram acúmulo de água no topo do prédio A1, levando ao desabamento parcial de uma estrutura lateral. O MPF vai solicitar informações aos órgãos responsáveis e cobrar garantias de segurança para os hospedados.

A vistoria identificou ainda filas longas para banho por falta de água nas primeiras horas do dia, além de interrupções constantes no abastecimento. As refeições também geraram queixas: filas “gigantes” para o café da manhã e outros pratos levaram participantes a perder compromissos oficiais da COP30. A cozinha funcionava em ambiente “extremamente quente”, com apenas quatro funcionários para servir o jantar de milhares de pessoas.

Discurso e prática

Entre a celebração da maior delegação indígena da história e a realidade de portões fechados, bloqueios arbitrários, água faltando ao amanhecer e filas que atravessam corredores, a COP30 acabou expondo aquilo que o discurso tenta esconder: não basta dar palco - é preciso garantir respeito. Porque, quando até instrumentos musicais viram ameaça, o mundo entende que o problema não é segurança. É prioridade.

Papo Reto

Jornalista paraense residente em São Paulo, Adriano Wilkson (foto) foi “distinguido” com uma nota de repúdio da mineradora Vale, por conta das postagens que vem fazendo sobre o financiamento da empresa para a COP30. 

•Wilkson perguntou à mineradora sobre o tamanho da dívida com o Estado do Pará e o uso de uma estrutura pública para fazer propaganda privada. 

A empresa respondeu com a nota, lamentando o uso da profissão de jornalista para “fazer ativismo”. 

•Dizem que o incêndio foi debelado no Parque da Cidade sem fazer vítimas ou maiores estragos, além do susto, mas há gente do governo fora de controle pela quase tragédia anunciada pela ONU em carta ao presidente Lula

Mais um dia mundial da pesca transcorre hoje sem que os governos federal e estadual consigam alinhar ordenamentos mínimos, capazes de garantir a sobrevivência dos empregos e a segurança alimentar da população.

•Enquanto Belém exibe discurso verde para a COP30, o Porto de Vila do Conde entregou outro número: 578 contêineres de minério barrados pela Receita. 

Só em Santos, 1,9 mil toneladas de cobre iam embarcar para a Ásia com nota fria. No Pará, mais de 13 mil toneladas tentaram o mesmo truque. 

•A Praça da Bandeira, que recebeu a Free Zone, espaço mais democrático da COP, ganha hoje uma escultura chamada Árvore da Vida, presente da coalizão da Union of Nature Foundation, EarthFlag Foundation e a Global Youth Coalition. 

A escultura é obra do artista global Carlito Dalceggio e ficará como legado para Belém, marcando o encerramento da Free Zone na cidade, que teve mais de 30 mil visitantes desde o dia 10 passado.

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Olavo Dutra

Jornalista, natural de Belterra, oeste do Pará, com 48 anos de profissão e passagens pelos jornais A Província do Pará, Diário do Pará e O Liberal.