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Raimundão inelegível

Revisão criminal não é "vale-refeição"; TJE tira ex-prefeito da política por 10 a 0

Voto irônico da desembargadora Eva do Amaral Coelho aponta que o instituto não serve para ressuscitar processos que perderam o bonde da história – e torna Raimundão inelegível

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  • Por Olavo Dutra
  • 16/09/2025, 11:25
Revisão criminal não é
O


Tribunal de Justiça do Pará enviou, esta semana, um recado direto a advogados e réus que tratam a revisão criminal como um passe livre para tentar, indefinidamente, apagar decisões já consolidadas. No centro da controvérsia estava um pedido que, sob a capa de corrigir erros, tentava reabrir uma condenação com trânsito em julgado desde fevereiro de 2025.

Ex-prefeito elegeu sucessor e passou a fazer campanha para deputado estadual; só que no “paraíso” tinha uma Eva/Fotos: Divulgação.

Para entender o caso

Que o Pará é uma terra de dimensões continentais, todo mundo está careca de saber; que, vez por outra, coisas estranhas acontecem que poderiam corar até a Santíssima Trindade, idem; e que certos políticos - alguns influentes, outros nem tanto; muito pelo contrário -, se acham, por vezes, mais reais que o rei, ibidem. Nessa fronteira estancou o ex-prefeito de Bragança, o venerando Sr. Raimundo Oliveira 

Raimundão, assim chamado, não foi um mau prefeito nas vezes em que ocupou o cargo. Seus seguidores que o digam. Mas, sua ficha, com todo o respeito, coloca-o como fona na lista de prioridades do eleitor que enxerga o certo e o errado. No balanço das gestões, Raimundão pode até ter acertado no populismo, mas tropeçou como administrador.

Não há viva alma em Bragança que não acredite na eleição de Raimundão. Aliás, não havia. Desde o último dia 9, o ex-prefeito está em julgamento no TJ, depois que o MP vedou os olhos para todos os seus erros e propôs à Justiça um acordo que, no português claro, mandava os pecados do ex-prefeito para a lata de lixo para tentar reabilitá-lo politicamente mediante o pagamento de míseros R$ 150 mil, a título de multa - os valores dos desvios que lhe são atribuídos são bem mais robustos.

Assim, quase no paraíso eleitoral, Raimundão recebeu um não da relatora do processo, desembargadora Eva do Amaral Coelho. Ontem, até onde a vista do redator pode alcançar, Raimundão estava sob peia: 4 x 0, incluindo o voto da relatora; a conta fechou na manhã de hoje, por volta das 10 horas: 10 votos a zero, incluindo o voto da relatora. 

Sobre as duas alegações

O pleito apostava em duas frentes: alegações genéricas de nulidades - inclusive um suposto uso irregular de relatórios do Coaf - e a defesa de que o réu deveria ter sido agraciado com o Acordo de Não Persecução Penal, criado pelo “Pacote Anticrime” - Lei 13.964/2019. A tese era simples - mas, para o tribunal, simplista: se a proposta é benéfica, poderia ser aplicada mesmo depois de encerrada a ação penal.

Freio na criatividade

Coube à desembargadora Eva do Amaral Coelho destrinchar o pedido. Em voto denso e temperado por fina ironia jurídica, ela reconheceu que o ANPP, por ter natureza híbrida, pode alcançar processos em curso quando a lei entrou em vigor. Mas há um detalhe incômodo: o benefício deve ser requerido antes do trânsito em julgado.

A magistrada lembrou que nem durante a fase de provas, nem na apelação, nem nos embargos a defesa pediu o acordo. O assunto só apareceu quando a sentença já tinha virado pedra no caminho. “Revisão criminal não serve para reinventar o processo”, resumiu, em tom que soou mais como aviso preventivo a futuras aventuras jurídicas.

Cardápio "à lá carte"

O voto percorreu precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, citando o Tema 1098 - que autoriza o ANPP apenas até o trânsito em julgado. Eva do Amaral Coelho ainda desarmou as demais queixas: nenhuma nulidade comprovada, nenhuma prova nova, nenhum erro gritante. O artigo 621 do CPP continua valendo, por mais que alguns tentem tratá-lo como peça decorativa.

Em linguagem cuidadosa, mas sem esconder certo sarcasmo, a relatora sinalizou que a revisão criminal não pode ser confundida com “vale-refeição jurídico”, válido a qualquer hora. Sentença com trânsito em julgado, explicou, é coisa séria: mexer nela exige muito mais do que um argumento criativo.

Criatividade forense

A decisão, unânime na Seção Penal do TJPA, reforça um dilema que ronda tribunais de todo o País. De um lado, cresce a pressão para revisar condenações diante de novas teses legais ou supostos abusos investigativos. De outro, está a necessidade de preservar a estabilidade das decisões - princípio que, goste-se ou não, garante previsibilidade ao sistema.

No Pará, onde o Judiciário lida com processos rumorosos de corrupção, crimes ambientais e lavagem de dinheiro, permitir revisões ilimitadas seria abrir um flanco perigoso. “Terceira instância” não existe, e a corte fez questão de lembrar.

Aviso aos navegantes

A mensagem final do acórdão é clara: quem pretende negociar ANPP ou discutir nulidades precisa agir na hora certa. Depois do trânsito em julgado, só milagres - ou erros judiciais clamorosos - podem salvar um condenado.

Ao rejeitar a revisão, Eva do Amaral Coelho preservou não apenas a sentença em questão, mas também o próprio sentido de coisa julgada, esse conceito frequentemente ignorado em tempos de “criatividade forense ilimitada”.

Para advogados inclinados a testar os limites da lei, fica o recado: criatividade é bem-vinda, mas revisão criminal não é um open bar jurídico. Há regras, há prazos - e, no Pará, pelo menos, há quem faça questão de lembrar disso.

Resumo da ópera tosca: o ex-prefeito de Bragança Raimundo Oliveira, personagem do enredo sob julgamento no Tribunal de Justiça do Pará desde o último dia 9 e encerrado hoje, terá que suspender as chuteiras com que vinha chutando pedras para tentar se eleger deputado estadual. Está inelegível, quer dizer, perdeu o trem da história - apesar dos esforços políticos que tentavam reanimá-lo para 2026.

Papo Reto

Vereadora mais votada em Bragança, nordeste do Pará, Tatiana Rodrigues (foto) plantou um prego na frente da borracharia. Explica-se: a parlamentar propôs investigar o presidente da Câmara, Júnior do Pneu, decisão que promete remexer céus e terras até na China.

•Convém lembrar: Tatiana, que atuou como auxiliar próxima do então prefeito Raimundo Oliveira, conhece como a palma da mão dez entre dez dos vereadores da cidade.

A família Nobel, que promove o prêmio homônimo, decidiu que o Brasil vai receber a primeira Academia Mundial Nobel de Ciências para Sustentabilidade. O presidente Lula (foto) está em êxtase, apesar das queimadas e da degradação ambiental

• A sede será inaugurada em 2026, no Rio de Janeiro, na Floresta da Tijuca, e prevê impulsionar soluções científicas em larga escala para enfrentar os grandes desafios ambientais e sociais do planeta.

A Academia também organizará uma Cúpula Anual do Nobel de Sustentabilidade, reunindo cientistas, líderes e instituições globais.

•O Ministério Público Federal apresentou, na última segunda-feira, 15, as alegações finais na ação civil pública ajuizada em 2023 contra a Jovem Pan e pediu o cancelamento de suas três outorgas de rádio. 

Para o MPF, a emissora cometeu abusos graves ao longo de 2022 ao, sistematicamente, desinformar seus ouvintes e veicular conteúdos que colocaram em risco o regime democrático brasileiro. 

•A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou o parecer favorável do deputado Rafael Prudente PEC que reconhece a carreira de Oficial de Justiça como típica de Estado, exclusiva para bacharéis em Direito.

Fim de linha: a Guarda Municipal de Belém trancafiou um ‘flanelinha’ suspeito de coagir e fazer cobrança irregular de valores para estacionar veículos.

•Em alguns pontos de Belém essa prática é bastante comum, havendo aqueles que, ao serem ignorados por condutores, acabam danificando o veículo.

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Olavo Dutra

Jornalista, natural de Belterra, oeste do Pará, com 48 anos de profissão e passagens pelos jornais A Província do Pará, Diário do Pará e O Liberal.