Prefeitura de Belém nega aumento e desqualifica entendimento de vereadores sobre contribuição

Em nota, o Executivo classifica de “totalmente inverídicas quaisquer informações de reajuste”, mas há divergências, segundo entendimento do coordenador do Ibet, Fernando Favacho.

10/05/2024 08:15
Prefeitura de Belém nega aumento e desqualifica entendimento de vereadores sobre contribuição
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Prefeitura de Belém garante que não haverá aumento da tarifa de iluminação pública e nem alteração na alíquota da Contribuição de Iluminação Pública, a Cosip. “Os consumidores de Belém podem ficar tranquilos, pois são totalmente inverídicas quaisquer afirmações de reajuste”. Em nota a prefeitura parece sugerir que o entendimento de vereadores sobre o projeto está equivocado, embora confirmado por especialista em questões tributárias.


Prefeito reage ao entendimento da Câmara, mas proposta carece de transparência e atropela legislação/Fotos: Divulgação.
 

Segundo a prefeitura, em obediência ao que determina a Emenda Constitucional 132/2023, o Executivo enviou à Câmara, no dia 12 de abril, projeto de lei que visa reproduzir no Código Tributário de Belém a recente mudança da Constituição Federal em relação à Contribuição de Iluminação Pública. Antes, a arrecadação somente podia ser aplicada no custeio do serviço da iluminação pública, mas, com a alteração, o recurso poderá ser aplicado também na expansão e melhoria do referido serviço, bem como de sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros.

 

De R$ 16, 18 para R$ 61,11

 

Sobre a correção monetária da base de cálculo do metro linear do terreno para a cobrança da Contribuição, que, pelo que consta no projeto, passa de R$ 16,18 para R$ 61,11, a prefeitura explica que o valor inicial era praticado no ano de 2019, e que o segundo valor já está sendo praticado no exercício de 2024, pois, todos os anos, o valor é corrigido pelo IPCA. 

 

Outro ponto de que trata o projeto são as novas obrigações da concessionária de energia elétrica em relação à arrecadação da Contribuição. Hoje, ela é arrecadada de duas formas: nos boletos de conta de consumo e, nos casos de terrenos sem edificação, nos boletos do IPTU. A Prefeitura de Belém, seguindo a tendência de outros municípios brasileiros, veio disciplinar e determinar a responsabilidade tributária da concessionária de energia elétrica na arrecadação da Contribuição.

 

A informação da Prefeitura de Belém destaca que a proposta obedece às resoluções da Aneel quando determina a tarifa B4a - classe de iluminação pública - para o contribuinte, assim como obedece à concessão de isenção ao contribuinte classificado como de baixa renda, com faixa de consumo mensal de até 79 Kwh.

 

Especialista em tributação
interpreta projeto, aponta
falta de transparência
e confirma majoração


Consultado em meio à polêmica gerada pela proposta da prefeitura, o coordenador do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários em Belém, Fernando Gomes Favacho (foto) - doutor e mestre pela PUC-SP, e conselheiro Administrativo de Recursos Fiscais Federal, oferece um esclarecimento diferente sobre o caso. Veja.

 

O projeto de lei que dispõe sobre a Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública no município de Belém pede para adequar a Legislação Tributária Municipal às alterações previstas na Reforma Tributária (Emenda Constitucional 132/2023).

 

Atualmente, a CF prevê no art. 149-A a COSIP (os municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública), graças à Emenda Constitucional n. 39/2002.

 

O tema dos gastos da Cosip com outros dispêndios que não a iluminação pública foi encerrada no STF com o Tema 696,0 com trânsito em julgado em 15/09/2020.  É constitucional a aplicação dos recursos arrecadados por meio de contribuição para o custeio da iluminação pública na expansão e aprimoramento da rede.

 


 

A disposição de que o tributo constante no art. 149-A da CF pode ser utilizado para o financiamento de sistemas de monitoramento e segurança e para a preservação de logradouros públicos de fato já é prevista pela Constituição, que amplia o já decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Quanto à destinação, a proposta está correta.

 

Incidência e aumento

 

A Cosip de Belém possui duas hipóteses tributárias - e nenhuma delas “tem como fato gerador a prestação do serviço de iluminação”, como diz o art. 2º). De fato, paga-se CIP mesmo que não haja iluminação, dado que é contribuição e não taxa.

Os fatos geradores estão no art. 4º, I (possuir ligação regular e privada ao sistema de fornecimento de energia elétrica) e II (ser proprietário de imóvel urbano que não possua a ligação de energia). Paga quem possui conta de luz - com base na tarifa. E quem não possui paga com a metragem do imóvel.

 

Quanto a segunda hipótese, possível de acontecer em loteamentos de condomínio, por exemplo, pouco difere de um aumento no valor do IPTU: a alíquota é de 15% (art. 6º, II, e art. 8º, II do Projeto, também constante na Lei anterior), multiplicada por metro linear, no valor de R$ 61,11 cada.

 

A Mensagem n. 012/2024 deixa claro que “O projeto de lei visa a readaptação desta municipalidade ao novo momento histórico, inclusive revogando a Lei Municipal nº 8.226, de 30 de dezembro de 2002”. Ora, se haverá revogação da lei, obviamente a nova Cosip será instituída. É o que diz o art. 19 do PL.

 

Todavia, ainda que não se entenda haver criação de tributo, a CF fala em “instituiu ou aumentou”, e o aumento é vedado pelo art. 150, III, “b”. iz a Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios:

III - cobrar tributos:

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

A Constituição fala em cobrança de tributos, independente se está ou não introduzindo nova espécie ou alterando a forma ou cálculo da tributação. O único “aumento” permitido é a correção monetária, justamente porque propriamente não se trata de aumento, e isso quando há lei anterior regulando a atualização.

 

Observando a lei anterior (Lei 8.226, de 2002, inclusive sancionada pelo prefeito atual), diz-se no art. 5º: Art. 5º Os valores monetários a que se refere o § 2º do art.


3º desta lei serão atualizados anualmente, utilizando-se para isso a variação registrada no Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), divulgado pelo IBGE, nos termos da Lei Municipal nº 8.033, de 29 de dezembro de 2000.

 

Se esses valores não foram atualizados, qualquer lei que pretenda reajustar (ainda que somente agora) deverá valer somente para o ano que vem (2025), dado que a não atualização anual desobedeceria a própria Lei Municipal 8.033/2000, que exige que a atualização seja anual - lei esta que é citada, inclusive, no projeto ora analisado.

Art. 2º. Todo e qualquer valor decorrente da legislação municipal convertido em moeda corrente, em conformidade com o caput do artigo anterior desta lei, será atualizado anualmente com base na variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA-E.

 

Finalmente, não cabe regime de urgência em se tratando de princípio constitucional (princípio da anterioridade tributária, que remonta à própria criação da Carta Magna, é um princípio quase milenar, evitando a surpresa do contribuinte. Ao menos para os proprietários de imóveis urbanos que não possuem ligação de energia, o aumento de energia é ilegal (vide o Código Tributário Nacional) e inconstitucional.


Transparência e legalidade

 Quanto a faixa de consumo, em relação à lei anterior:

A faixa residencial vigente vai de 79kwh (isento) a acima de 1.000 (alíquota de 25,88%). A Comercial, de 30kwh (1,29%) a acima de 1.000 (51,78%). Finalmente, a Industrial até 30kwh (20,70%) a acima de 1.000kwh (116,50%) e a Industrial/Comercial, de 2.000 (133,97%) a acima de 30.000kwh (441,39%).

 

A lei proposta mantém a faixa de consumo isenta de 79kwh, sem discriminar comercial e industrial (apenas chama de “o contribuinte, classificado como de baixa renda”, sem se referir exatamente ao que é - art. 12, III do Projeto).

 

Já a base é mudada para a “subclasse B4a”, a ser reajustada anualmente utilizando os mesmos parâmetros estabelecidos pela Aneel, sem discriminar quais são as faixas de tributação. Aqui, além do provável aumento de valores (o que pode ocorrer tanto com aumento da alíquota como com aumento da base), há a falta de transparência.

 

Finalmente, há a possibilidade de se estar ferindo o princípio da legalidade, posto que o enquadramento por kwh era oriundo de lei e agora há uma delegação para uma agência externa - não há, na Aneel, tabela semelhante para efeitos de Cosip como há na lei atual. Basta olhar a Resolução Normativa Aneel n. 1.000, de 07/12/2021, que estabelece as regras de prestação de energia elétrica (ren20211000.pdf (aneel.gov.br). Ao contrário do que diz a mensagem, há clara alteração da forma de cálculo da contribuição. 


Aumento real e ilegal

a) a alíquota está sendo majorada ilegalmente para quem for proprietário de imóvel sem energia elétrica. Dado o princípio da anterioridade, o aumento só poderá valer para 2025.


b) a alíquota possivelmente está sendo majorada ilegalmente para quem for consumidor de energia elétrica, dada a mudança de critérios (da tabela veiculada por Lei para a “subclasse B4a da Aneel”. No caso, há possível desrespeito à anterioridade, legalidade e transparência.

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