Afinal, quem paga a conta do show de milhões da cantora Mariah Carey no embalo da COP em Belém?

Estimativas apontam para gastos de mais de R$ 30 milhões apenas com a infraestrutura, mais R$ 1 milhão para a dona do show pirotécnico na Baía do Guajará.

Por Olavo Dutra | Colaboradores

02/03/2025, 08:30
Afinal, quem paga a conta do show de milhões da cantora Mariah Carey no embalo da COP em Belém?
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m 2017, a cantora estadunidense Mariah Carey se apresentou em um casamento em Londres e recebeu o equivalente a R$ 13,5 milhões de cachê. A modesta apresentação foi feita em um palco simples e apertado para os padrões de músicos internacionais como Mariah Carey. Ainda assim, foi um show e os grandes sucessos da artista embalaram a alegria dos noivos - a noiva, aliás, filha de um bilionário russo.

Cantora se apresenta em Belém por R$ 1 milhão de cachê; Lula e Helder aparecem como as estrelas do evento milionário/Fotos: Divulgação.
Hoje, oito anos depois, Mariah volta a se apresentar em um casamento - o de Belém com a COP30. Mudam, além dos anos, os valores em torno do evento, denominado “Amazônia para Sempre". Sem entrar no mérito do cachê, em torno de US$ 1 milhão, de acordo com sites especializados, a cantora irá fazer um show apoteótico em dois palcos flutuantes em formato de vitória-régia em plena Baía do Guajará.

A megaestrutura de 88 toneladas, com cenografia imponente de 25 metros de diâmetro, será instalada nas águas do rio Guamá, de frente para Belém. Para tanto, cerca de R$ 30 milhões estão sendo gastos apenas na construção de duas balsas, cujos serviços seguem adiantados em um estaleiro da Região Metropolitana de Belém. Agora, se R$ 30 milhões custarão apenas as balsas, por quanto sairá a bagatela da apresentação no “casamento” mais esperado do ano?

A verdade é que as cifras seguem disparando cada vez que um evento, obra ou projeto relacionado à COP30 é anunciado, seja ele de infraestrutura ou cultural.

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Ao distinto público

Os organizadores do show de Mariah Carey já avisaram que a estrutura montada na Baía do Guajará será resguardada por quatro corvetas da Marinha do Brasil. Uma delas para abrigar apenas a comitiva do presidente Lula. As demais, para impedir que o festival se transforme, com todo o respeito, em uma cópia do Círio Fluvial, quando engraçadinhos de plantão fazem de tudo para chamar a atenção com exibições particulares em jet skis e voadeiras.

O criador e diretor do festival, Zé Ricardo, vice-presidente artístico da Rock World, responsável pela realização do Rock in Rio e do The Town, também antecipou a proibição de todo e qualquer movimento nas águas que possa vir a comprometer a segurança do evento. Isso inclui, inclusive, as ofertas já anunciadas em sites de turismo da capital oferecendo pacotes em iates e navios para assistir Mariah Carey bem de pertinho.

Os santos de casa

Além da cantora norte-americana, Dona Onete, Joelma, Gaby Amarantos e Zaynara estarão na abertura do evento. O show será dia 17 de setembro e será transmitido, ao vivo, pelo Multishow e pela TV Globo. Quanto isso tudo vai custar só o tempo irá dizer.

Quem paga a conta

Fontes palacianas da Coluna Olavo Dutra informam que nada dessa dinheirama tem a ver com o orçamento do Estado e que todo o investimento é proveniente do setor privado. Mas para quem entende como o regime de livre mercado se expressa por essas bandas, nenhum gesto privado que beneficia governos e governantes é feito sem contrapartidas que façam aquele investimento inicial retornar aos bolsos do investidor aditivado para além das taxas bancárias.

A pergunta, portanto, não é “se” existe dinheiro do Estado diretamente envolvido no espetáculo pirotécnico que terá como grande estrela local o governador Helder Barbalho e, nacional, o próprio presidente Lula, convidado ilustre para a audição milionária.

Emergência financeira

Tudo estaria sob controle se não tivesse, o próprio governo do Estado, anunciado sua emergência financeira e determinado o contingenciamento de despesas correntes no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública direta, autárquica, fundacional, empresas públicas e sociedades de economia mista dependentes do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social do Poder Executivo Estadual. Ninguém faz isso por esporte.

Apenas situações críticas impõem cortes lineares em custeios de órgãos públicos cujo orçamento corrente já havia sido aprovado um ano antes. De acordo com o decreto, cabe à Secretaria de Planejamento e Administração do Estado, que tem como titular a vice-governadora Hana Ghassan, realizar o corte de forma linear em todas as dotações de custeio do orçamento.

O decreto vai além, prevendo o sequestro de dotações de uma secretaria por outra, de maneira discricionária. “Os órgãos e entidades do Estado que tiverem dotações de custeio contingenciadas poderão transferir recursos entre as rubricas de custeio, de forma a garantir a execução das despesas essenciais, desde que o total contingenciado corresponda ao percentual de 10%”, diz o documento.

Guilhotina palaciana

Na verdade, 10% foi o ponto de partida. A guilhotina palaciana decepou até 25% do custeio dos órgãos que não integram o rol das “secretarias-fim”. As despesas consideradas essenciais agora são submetidas à análise do seleto Grupo Técnico de Ajuste Fiscal, o Gtaf, que avalia a possibilidade ou não de autorização de recursos, “a partir da apresentação de justificativa fundamentada pela unidade gestora responsável pela dotação orçamentária”.

O corte foi justificado, publicamente, pela necessidade de manter o equilíbrio fiscal e sustentar a máquina após a queda de receita. No entanto, o adjunto da Secretaria da Fazenda, Lourival Barbalho Júnior, declarou, diante de deputados estaduais em audiência, que a receita própria do estado “vem crescendo ano após ano” e que hoje “a receita própria representa dois terços da receita total". A receita própria, explicou, está em torno de 66% e a receita transferida, 34% da receita total. "Isso está fazendo com que o Pará tenha um equilíbrio fiscal e proporcionando as políticas públicas do governo do Estado", afiançou.

Na esteira da COP30

Enquanto as secretarias espremem custeios comezinhos, como água, luz, combustível e zeladoria, na esteira da COP30 o Pará recebe cerca de R$ 4,7 bilhões de investimentos do governo federal - entre recursos do Orçamento Geral da União, do BNDES e de Itaipu, aplicados às pressas em obras de infraestrutura por vezes questionáveis, como a duplicação da rua da Marinha, no bairro da Marambaia, que inclui um anel viário sobre o Igarapé São Joaquim com pista de acesso à avenida Centenário, que irá suprimir 34,92 hectares de duas áreas de vegetação preservada: a conhecida “área da Marinha” e o Parque Ambiental Gunnar Vingren.

Na Roma antiga, a política do “pão e circo” tinha como objetivo manter a população satisfeita e evitar revoltas sociais. Os eventos incluíam lutas de gladiadores e corridas de bigas. Pouco mudou de lá até aqui. Mariah Carey e seu palco flutuante de R$ 30 milhões fazem parte do grande “Coliseu” moderno, o “Circo COP30”, onde o paraense comum não tem assento.

Papo Reto

·Uma curiosidade. O TRF1 aposentou compulsoriamente o juiz federal Alderico Rocha Santos (foto). Uma das acusações envolvia o magistrado famoso em movimentações bancárias atípicas.

·Anos atrás, ainda juiz no Tocantins, Alderico Santos mandou prender, com uso de algemas da Polícia Federal, conhecido político paraense.

·O STF combinou assim: fica mantida a ampliação do foro privilegiado dos políticos caso o crime tenha sido cometido durante o exercício da função parlamentar, mesmo que ele renuncie, seja cassado ou não se reeleja.

·Em uma reunião nesta semana no Rio de Janeiro, um jornalista brasileiro que acompanha a delegação com cerca de 250 investidores chineses ouviu a seguinte informação: os chineses não vêm para a COP30, em Belém.

·A alegação é pelo óbvio, ululante: falta de acomodação, que tem tirado o sossego dos organizadores do evento.

·Segundo o relato, os chineses optaram pelas reuniões que serão realizadas no Rio, onde, inclusive, terá uma Casa COP30, e em São Paulo.

·A delegação da sociedade civil, que trabalha com engajamento de políticas nacionais para mudanças climáticas, já comunicou que a equipe deles será menor que em COPs em outros países.

·Até os chineses consideram um “absurdo” pagar US$ 30 mil dólares por dez dias em Belém.

·Eles também consideram que a comunicação da COP30 está ruim: não aponta soluções e ninguém sabe de nada e nem o site oficial existe, além do perfil no Instagram, que não informa nada.


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