Meio Ambiente

O Papa verde e a herança ambiental que rompeu as barreiras entre fé e ciência

Na história recente da Igreja Católica, nenhum outro Papa foi tão enfático ao denunciar a destruição ambiental e a emergência climática quanto Francisco.

Mariluz Coelho | Especial para o POD

21/04/2025, 22:24
O Papa verde e a herança ambiental que rompeu as barreiras entre fé e ciência

Belém, PA - Nesta segunda-feira, 21, o mundo perde uma das vozes mais influentes na luta por justiça ambiental. Mais do que líder espiritual, Francisco foi um farol para o pensamento ambiental global, um Papa que ouviu tanto o “clamor da Terra” quanto o “clamor dos pobres”, como escreveu em sua mais célebre encíclica.


Publicada em 2015, Laudato Si’, sobre o cuidado da casa comum marcou uma guinada histórica no pensamento da Igreja. Ao romper as barreiras entre fé e ciência, o documento fez um apelo à consciência planetária, denunciando o modelo de desenvolvimento que reduz a natureza a recurso explorável e os mais pobres a vítimas invisíveis da degradação ambiental.


“Tudo está interligado”, escreveu Francisco, em um trecho que sintetiza a cosmovisão ecológica do Papa. Seu olhar contemplativo sobre a criação se traduzia em urgência política. Para ele, o cuidado ambiental não era acessório da fé cristã, mas parte essencial da missão de uma Igreja comprometida com a justiça social e a dignidade da vida.


A Laudato Si’ foi considerada um marco não apenas para a Igreja, mas também para a diplomacia ambiental mundial. Nunca antes um Papa havia se posicionado de forma tão contundente sobre a crise climática. O documento influenciou debates internacionais e preparou o clima político e moral para o Acordo de Paris, assinado poucos meses depois.


A voz da Igreja nas Conferências do Clima


Durante seu pontificado, Francisco tornou-se presença simbólica nas principais conferências internacionais sobre mudança do clima. Ainda que nem sempre fisicamente presente, suas mensagens às COPs, especialmente à COP21, em Paris, e à COP28, em Dubai, ecoaram entre chefes de Estado e ativistas, sempre chamando à responsabilidade moral.


Foi também um dos primeiros líderes religiosos a apoiar publicamente o Acordo de Paris. “Um passo importante, embora ainda insuficiente, no cuidado com a criação”, disse o Papa após a divulgação do documento. Para Francisco, combater as mudanças climáticas é obrigação ética, sobretudo para proteger os mais vulneráveis, os que menos contribuem para a crise e mais sofrem suas consequências.


Amazônia, povos originários e conversão ecológica


O Papa Francisco deu especial atenção à Amazônia. Em 2019, convocou o Sínodo da Amazônia, reunindo bispos, indígenas, cientistas e lideranças sociais para discutir a defesa da floresta e de seus povos. Na Exortação Apostólica Querida Amazônia, defendeu uma ecologia integral, o reconhecimento dos saberes tradicionais e a denúncia do extrativismo predatório.


“A Amazônia é um espelho de toda a humanidade”, afirmou. Com isso, apontou que o destino da floresta não diz respeito apenas aos países que a abrigam, mas à sobrevivência planetária.


Além disso, apoiou a criação do Movimento Laudato Si’, que hoje mobiliza católicos em ações concretas de cuidado ambiental em dezenas de países.


Um alerta final ao mundo


Em 2023, oito anos após Laudato Si’, o Papa publicou a exortação apostólica Laudate Deum. O tom era mais grave, quase desesperado. Francisco alertava que “ainda não estamos reagindo com suficiente seriedade” à emergência climática. Sem rodeios, criticava a lentidão das políticas públicas e cobrava coragem dos líderes globais.


“Aqueles que pretendem ridicularizar este fato estão ignorando a realidade. Não há dúvida de que o impacto das mudanças climáticas será cada vez mais devastador”, escreveu.


Um legado vivo


Com sua morte, Francisco deixa um legado que ultrapassa as fronteiras da religião. A ecologia integral que defendeu aponta para uma mudança civilizatória baseada no respeito à vida, à terra e à justiça social. Sua voz seguirá viva entre jovens, cientistas, comunidades tradicionais e crentes que encontram, na fé e na razão, motivos para agir.


Para o Papa Francisco, ecologia integral significa compreender que tudo está conectado: o meio ambiente, a sociedade, a economia, a cultura e a vida espiritual. Não existe separação entre cuidar da natureza e cuidar das pessoas, especialmente os pobres e os mais vulneráveis.


Na Praça de São Pedro, onde agora se reúnem fiéis para se despedir do pontífice, ecoam não só orações, mas também a esperança de que o próximo Papa mantenha acesa a chama da conversão ecológica. O mundo está em luto e a natureza em silêncio.


Foto: João Ramid | Edição com IA

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