Ineficiência

Distorção: 1 em cada 5 reais do governo serão gastos com emendas parlamentares, que chegam a R$ 50 bi

Em 2025, cerca de 20% de todas as despesas discricionárias federais, ou seja, aquelas que o governo efetivamente decide como alocar, terão seu destino escolhido pelos parlamentares por meio de emendas.

25/02/2025, 17:15
Distorção: 1 em cada 5 reais do governo serão gastos com emendas parlamentares, que chegam a R$ 50 bi

Brasília, DF - Enquanto o Supremo Tribunal Federal, STF, encabeça junto ao Congresso Nacional e ao governo o debate sobre a transparência e critérios de distribuição de emendas parlamentares, uma outra discussão fica ofuscada: a dimensão desses valores. As verbas escolhidas por parlamentares no Orçamento irá superar a barreira de R$ 50 bilhões neste ano, um recorde.


Na segunda reportagem da série Estado (in)eficiente, realizada pelo jornal O Globo, especialistas afirmam que o crescimento dessas verbas prejudica a melhor alocação dos recursos públicos, pulveriza ações do poder público, favorece o clientelismo e ainda reduz a capacidade de planejamento do Estado.


O valor exato para as verbas que poderão ser escolhidas por parlamentares - seja individualmente ou de forma coletiva, com bancadas e comissões - ainda não foi definido porque a peça orçamentária sequer foi votada. Mas os números disponíveis revelam o espaço que os parlamentares brasileiros têm para decidir onde gastar.


Em 2025, cerca de 20% de todas as despesas discricionárias federais, ou seja, aquelas que o governo efetivamente decide como alocar, terão seu destino escolhido pelos parlamentares por meio de emendas.


Embora as despesas totais do governo federal superem R$ 2,3 trilhões em 2025, apenas uma fração disso pode ter seu destino efetivamente decidido. Isso ocorre porque mais de R$ 2 trilhões gastos pela União são para pagar rubricas como a Previdência Social, salários de servidores civis e militares, além de benefícios sociais como o Bolsa Família.


O que sobra disso, algo calculado em cerca de R$ 241 bilhões neste ano, é que pode ser destinado com alguma liberdade pelo governo. É nessa fatia do Orçamento que estão obras públicas, compras de equipamentos, concessão de bolsas universitárias, entre outras despesas chamadas de discricionárias - incluindo aí a manutenção básica da máquina pública, como o pagamento de contas de luz.


Do montante “livre” de 2025, por volta de um quinto será destinado para emendas parlamentares. É um patamar que tem se mantido elevado desde 2020, volume criticado por especialistas.


“O que as emendas fazem? Elas reduzem a eficiência do gasto público. É um país já carente, você gasta muitos recursos com emendas, R$ 50 bilhões é quase 0,5% do PIB. É um dinheiro grosso”, afirma o economista Samuel Pessôa. “As emendas, nesse montante, representam uma invasão do Legislativo numa atribuição do Executivo. São gastos paroquiais que não são determinados em função de um programa de governo maior. Isso não atende ao interesse coletivo”.


Emendas parlamentares são uma parte do Orçamento a que deputados e senadores podem escolher a sua aplicação, como obras, serviços e compras de materiais. Geralmente, destinam esses recursos para suas bases eleitorais.


Há hoje três tipos de emenda: As individuais, divididas igualmente entre os membros do Congresso Nacional e a que todos os deputados e senadores têm direito; de bancada, cuja destinação do recurso é definida pelo conjunto de parlamentares de cada estado; e as de comissão, com o destino decidido pelos colegiados temáticos de Câmara e Senado.


As duas primeiras categorias são de execução obrigatória, ou seja, o governo é obrigado a pagar, desde que não haja algum tipo de empecilho técnico. O terceiro tipo não é obrigatório, mas o Executivo costuma desembolsar os recursos por conta de acordos políticos.


Fragilidade do Executivo


Os especialistas afirmam que o enfraquecimento do Executivo nos últimos anos permitiu um aumento expressivo no controle do Congresso sobre o Orçamento federal. Foi um processo que ganhou corpo especialmente em dois governos. Na gestão Dilma Rousseff, em 2015, as emendas individuais se tornaram impositivas. No governo Jair Bolsonaro, foi criado o chamado “Orçamento secreto”, que, embora extinto por decisão do STF, deixou como legado um patamar mais elevado de emendas.


O cientista político Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco, destaca que a fragilidade do Executivo também favorece práticas clientelistas - troca de bens e serviços por apoio político.


“O resultado é uma situação em que o presidente fraco, com baixa sustentação parlamentar sucumbe às pressões do Congresso, sem que este internalize as consequências macro, coletivas, desse estado de coisas”, afirma.


Beatriz Rey, pesquisadora da Universidade de Lisboa, lembra que, até 2014, as emendas eram utilizadas como moeda de troca para a formação de apoio no Congresso. A partir do ano seguinte, as emendas passaram a ser impositivas e igualitárias - no caso das individuais -, reduzindo o poder de barganha do Executivo.


“O resultado foi tirar um pouco do ferramental do Executivo, porque as emendas, agora, são impositivas, elas têm que ser gastas, e elas são igualitárias, têm de ser gastas do mesmo jeito para todos os deputados”, destaca.


Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

(Com O Globo)

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