História

Ovo de Páscoa passa por transformação de formatos e sabores ao longo dos anos

Nem só de chocolate ao leite vivem os ovos de Páscoa, que ganham cada vez mais novos sabores, formatos e recheios.

19/04/2025, 17:00
Ovo de Páscoa passa por transformação de formatos e sabores ao longo dos anos

São Paulo, SP - Foi-se o tempo em que o ovo de Páscoa se resumia a uma casquinha de chocolate ao leite com bombons no interior, embrulhada em papel colorido. Em meio às prateleiras vibrantes desta Páscoa de 2025, o tradicional ovo de chocolate - símbolo centenário da celebração pascal - ganhou novos contornos. Variedade de sabores, formatos, recheios e diferentes tipos de chocolate revolucionaram, nos últimos anos, a ideia do que é um ovo de Páscoa.


Hoje, ao observar os lançamentos nas grandes redes e nas produções artesanais, nota-se que a diferenciação vai muito além do tipo de bombom. Afinal, é possível encontrar ovos recheados com brownies, cookies, brigadeiros e até ingredientes inusitados como caramelo com flor de sal ou alho negro - mistura que desafia o paladar e atrai os mais curiosos.


Para os puristas, há espaço garantido. Ovos produzidos com altos teores de cacau e grãos de origem única conquistam os aficionados por chocolate amargo. Versões com 85%, 90% e até 100% de cacau se tornaram comuns, aproximando os ovos de Páscoa do universo das barras bean-to-bar, que valorizam terroir, complexidade de sabor e sustentabilidade.


“O ovo de Páscoa mudou porque a relação das pessoas com a comida também mudou. Hoje, não é só sobre sabor - é sobre experiência, afeto e, principalmente, estética", afirma Pedro Bello, pesquisador de tendências e consultor de inovação em Food Service na consultoria Coolinary.


“O crescimento de marcas artesanais trouxe um olhar mais autoral, com recheios exagerados, sabores inusitados e propostas que fogem do óbvio. A Páscoa se reinventou: não é mais só sobre vender chocolate - virou uma vitrine de desejo, afeto e expressão, onde o ovo é presente, linguagem e até mesmo conteúdo”


Assim, não foram apenas os sabores que evoluíram. Os formatos também passaram por reinvenção. Uma tendência já consolidada é “ovo de colher” - meia casca de chocolate servida com recheios densos e cremosos, em combinações como tiramissú, pistache com framboesa, caramelo salgado com amêndoas ou cheesecake de frutas vermelhas.


Hoje, há quem diga que o chocolate é o básico de um item que se transformou intensamente. “Na Páscoa, o chocolate virou um complemento. O recheio é quase a parte principal”, provoca o chef Rodrigo Ribeiro, do restaurante de sobremesas ARA.


“Acho também que estamos cada vez mais abertos às técnicas da confeitaria, indo além da ganache e começamos a trabalhar com texturas diferentes. Isso é só o começo”.

Outra inovação de apelo visual é o “ovo vulcão” ou “ovo cascata”, no qual chocolate derretido escorre sobre o recheio após a quebra da casca superior. É um momento pensado para as redes sociais - mais do que um doce, é a tentativa de ser uma performance.


“Vejo que essas mudanças refletem o desejo crescente por experiências sensoriais diferentes. O consumidor busca encantamento e originalidade. A confeitaria evoluiu muito, e os ovos de Páscoa acompanharam esse movimento”, contextualiza a chef Isa Honda, da Joya Boulangerie, ao Paladar. “As redes sociais impulsionaram essa transformação, já que hoje o visual e a inovação impactam diretamente na decisão de compra”


Das origens pagãs às gôndolas sofisticadas


Para compreender a transformação, é preciso olhar pro passado. A tradição de trocar ovos na primavera (no hemisfério norte) antecede o cristianismo. Persas, egípcios e chineses celebravam o equinócio com ovos coloridos, símbolos de fertilidade e renascimento.


Com a expansão do cristianismo, este símbolo foi incorporado à narrativa da ressurreição de Cristo. É o aspecto religioso da coisa. Já no século XIII, surgem registros da proibição do consumo de ovos durante a Quaresma. Como as galinhas continuavam botando, acumulava-se um estoque que era decorado e ofertado ao fim do jejum, na Páscoa.


Os ovos de chocolate só aparecem no século XIX, na França. Confeiteiros inicialmente cobriam ovos reais com chocolate até desenvolverem moldes próprios. A técnica foi aprimorada no início do século XX por Jean Neuhaus, renomado chocolatier belga, que criou formas ocas e padronizadas, viabilizando a produção em larga escala.


No Brasil, os ovos se popularizaram na década de 1950, com marcas como Lacta e Garoto. Eram versões simples: cascas de chocolate ao leite com brinquedos ou bombons dentro


Do industrial ao artesanal: a redescoberta do chocolate


A recente revolução do ovo de Páscoa no Brasil está ligada ao renascimento do interesse pelo chocolate de qualidade. Na última década, o País - um grande produtor de cacau - viu crescer o movimento bean-to-bar, com foco em produção artesanal, ética e sustentável.


Os primeiros ovos artesanais surgiram como resposta às versões industrializadas, trazendo chocolate com menos açúcar, sem aditivos e com maior respeito ao ingrediente. O que começou como nicho conquistou o gosto popular por ideias novas de sabores e formatos.


“O artesanal não está só no cacau, mas também no cuidado com a produção do produto, desde o manuseio até a confecção da embalagem”, explica Rodrigo Pasquali, sócio da chocolateria Tchocolath. “Além disso, o bean-to-bar trouxe uma educação no paladar com as graduações, porque o consumidor se preocupa em consumir menos açúcar. Isso estimula pequenos produtores e fortalece a cadeia de produtores de cacau”.


A partir de 2010, vieram os ovos trufados, com camadas de recheio intercaladas com chocolate. Em 2015, os ovos de colher ganharam protagonismo. Já em 2018, os modelos inspirados em sobremesas brasileiras, como pudim, churros e paçoca, caíram no gosto do consumidor. Em 2025, essas ideias se mesclam, somadas à busca por ingredientes da moda - do pistache ao matchá, passando por cumaru e café especial


“Os ovos mudam conforme surgem novos interesses das pessoas, sobretudo por novidades”, diz Renata Arassiro, chef chocolatier e consultora. “Se por um lado existe um público muito fiel ao tradicional, por outro existe um público cada vez maior que fica ansioso à espera das novidades da Páscoa do ano, aquele público que busca uma nova experiencia, que quer sentir sabores diferentes, texturas variadas, algo especial.


Em sua loja Renata trabalha duas linhas para atender todos os públicos: a linha Classics, para quem busca o tradicional, e a linha Special com as novidades do ano, para entregar novas experiências a quem as busca


Esse movimento também reflete uma democratização do ofício de chocolatier. Pequenos produtores passaram a buscar formas de se destacar frente às grandes marcas, apostando em criatividade, ingredientes regionais e técnicas autorais. Em um mercado competitivo, só ter um bom chocolate não basta - é preciso surpreender e conquistar seu público.


“É a lei de oferta e demanda. Existia oferta de ovos tradicionais e a demanda foi se diferenciar para gerar impacto e vendas”, explica Mariana Gorski, da Confeitaria DAMA


O futuro dos ovos de Páscoa


Olhando adiante, especialistas vislumbram uma maior integração entre tradição e tecnologia. Algumas marcas já testam embalagens com realidade aumentada, que ganham vida via aplicativo - como a empresa polonesa Millano Group ou iniciativas locais em parcerias com agências de tech marketing.


Há também projetos com impressão 3D de chocolate, como os desenvolvidos pela CocoJet e pela Barry Callebaut, que exploram estruturas praticamente impossíveis de serem feitas manualmente por chocolatiers.


Surge também um olhar para as diferenças no comportamento do consumidor, já que o perfil de quem compra os ovos vem mudando. “Vemos um futuro com menos ovos, em termos de quantidade mesmo. Hoje em dia, uma família, por exemplo, consome um, dois ovos. E não mais um ovo por pessoa. Enxergamos também a permanência da preocupação com a qualidade do chocolate e com o propósito da marca que produz”, completa Mariana, da Confeitaria DAMA.


Esse assunto do propósito, aliás, é certeza para os envolvidos no mercado. Embalagens biodegradáveis, materiais recicláveis, rastreabilidade do cacau e práticas de compensação de carbono passam a fazer parte do discurso - e da prática - dos novos chocolatiers.


“Existe uma valorização crescente do processo artesanal e da origem do produto - e isso passa pelo chocolate”, diz Isa Honda, da Joya Boulangerie. “O bean-to-bar trouxe mais consciência para o consumo, incentivando escolhas mais éticas e sustentáveis. Essa preocupação com qualidade elevou muito o nível do que entendemos por ovo de Páscoa: ele se tornou um produto de confeitaria com identidade, técnica e propósito”


Enquanto isso, nas cozinhas experimentais de pequenas chocolaterias e nas linhas de criação de grandes marcas, chefs continuam testando receitas inusitadas, ingredientes autóctones e novos formatos. Afinal, se há uma lição que os ovos de Páscoa nos ensinam, é que mesmo as tradições mais antigas podem - e também devem - se reinventar.


Da simples casca ao recheio de pistache, o ovo de Páscoa continua símbolo de renovação. Não apenas da vida, como celebravam os povos antigos, ou da espiritualidade cristã, mas da própria gastronomia - que se transforma, ano após ano, pelas mãos de quem cria”


Foto: Agência Brasil

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