Calor extremo

O que vem depois de 2023, o ano mais quente de toda a história?

As interferências humanas, como a exploração de matéria-prima na Amazônia e também a produção industrial nos países mais ricos, como China e EUA, são considerados agravantes do clima.

Mariluz Coelho* | Especial para o POD

15/01/2024 16:52
O que vem depois de 2023, o ano mais quente de toda a história?

Coimbra (POR) - “As ações da humanidade estão queimando a terra”, afirma o secretário-geral da ONU, António Guterres. Para perceber isso basta olhar para os lados. Em qualquer lugar do planeta, mesmo naqueles cercados de verde como a Amazônia, as ondas de calor são perceptíveis na pele da gente.


Em 2023 o Rio Amazonas secou como nunca. Esse tipo de seca na região sempre foi considerado um evento cíclico. E continua sendo. A cada seis anos, sempre ocorreu uma grande seca no rio. Então, qual a diferença neste fenômeno e em outros que ocorrem pelo mundo? A resposta está nos relatórios produzidos pela ciência.


Dados assustadores


A ONU confirmou que 2023 bateu recorde de temperatura global com base no último estudo divulgado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM). O diagnóstico revelou que a temperatura média global anual atingiu 1,45°C acima dos níveis pré-industriais. Esse limite se aproxima cada vez mais dos limites estabelecidos no Acordo de Paris. A ONU atesta que o El Niño - somado às mudanças climáticas - agravaram calor na segunda metade do ano. A seca no Rio Amazonas é um exemplo disso.


O pior é que 2024 pode ser ainda mais quente e acompanhado por enormes impactos socioeconômicos. Os fenômenos que alteram o clima são cíclicos sim, porém, ocorrem em cenários de riscos climáticos diferentes a cada ano. 


Com o aquecimento global, o movimento é cumulativo e fenômenos como o El niño provocam eventos mais graves como os incêndios, cheias e as secas. Temos um clima mexido decorrente das interferências humanas no meio ambiente. Não podemos mais tapar o sol com a peneira e fazer de conta que nada está acontecendo.


O rio Amazonas e uma das maiores secas da história (Foto: Defesa Civil/AM)


Próximos do limite


Estamos no limite! O relatório da OMM atestou, em 2023, que a temperatura média global anual esteve 1,45°C acima dos níveis pré-industriais. Foi o ano mais quente da história. 

Isso não é pouco. O Acordo de Paris busca manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais, enquanto se esforça para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.


Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, os riscos relacionados ao clima para sistemas naturais e humanos são mais elevados com um aquecimento global de 1,5 °C do que no presente, mas menores do que a 2°C.


Futuro incerto e doloroso


De acordo com a ONU, um estudo realizado ano passado aponta para a probabilidade de 66% de que a temperatura média anual global próxima à superfície entre 2023 e 2027 seja superior a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, por pelo menos um ano.


A ONU diz que isso não significa que o nível de 1,5°C especificado no Acordo de Paris ficaria permanentemente elevado, mas se refere ao aquecimento de longo prazo por muitos anos. “A probabilidade de exceder temporariamente 1,5°C tem aumentado constantemente desde 2015, quando estava próximo de zero. Entre 2017 e 2021, a probabilidade subiu para 10%”, alerta a ONU.


Previsão é de ainda mais calor e novas catástrofes para 2024. (Foto: ADB/Rakesh Sahai/ONU)


O que teremos pela frente?


O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirma que 2023 foi apenas uma prévia do futuro catastrófico que nos aguarda se não agirmos agora. "Devemos responder às elevações de temperatura sem precedentes com ações inovadoras", alerta Guterres. A OMM atestou que as temperaturas globais entre junho e dezembro de 2023 estabeleceram novos recordes mensais. “Julho e agosto foram os dois meses mais quentes registrados”.


De acordo com a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo, as mudanças climáticas são o maior desafio que a humanidade enfrenta. Ela adiciona que o aquecimento global afeta a todos, mas especialmente os mais vulneráveis.


No mundo inteiro, temos, a cada ano, mortes e danos materiais ocasionados por eventos como incêndios, cheias, deslizamentos, frio e calor extremo. Para Celeste Saulo, é necessário agir com urgência, implementando reduções drásticas nas emissões de gases de efeito estufa e acelerando a transição para fontes de energia renovável.


Fenômenos naturais agravam a situação


Segundo a representante da ONU, a mudança de La Niña para El Niño, até meados de 2023, reflete-se no aumento da temperatura em relação ao ano passado. Além disso, considerando que El Niño normalmente tem o maior impacto nas temperaturas globais após atingir o pico, existe a possibilidade de que 2024 seja ainda mais quente.


A OMM sinaliza que cada década depois de 1980 foi mais quente que a anterior. Conforme o estudo, os últimos nove anos foram os mais quentes já registrados. Os anos de 2016 e 2020 eram anteriormente classificados como os mais quentes registrados, com 1,29°C e 1,27°C acima da era pré-industrial.


A OMM atesta ainda que o monitoramento de longo prazo das temperaturas globais é apenas um indicador das mudanças climáticas e de como elas estão acontecendo. Outros indicadores-chave incluem concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa, aquecimento e acidificação dos oceanos, elevação do nível do mar, extensão do gelo marinho e balanço de massa glaciar.


Elevação dos oceanos ameaça nações de baixa altitude (Foto: PNUD Tuvalu/Aurélia Rusek)


Perigo no aumento do nível do mar


A OMM aponta que as temperaturas da superfície do mar foram excepcionalmente altas durante grande parte do ano de 2023, acompanhadas por ondas de calor marinho severas e prejudiciais. “A extensão do gelo marinho da Antártica foi a mais baixa registrada, tanto para o mínimo de final de verão em fevereiro quanto para o máximo de final de inverno em setembro”, afirmam os estudos.


A ONU, com base no relatório da OMM divulgado no último dia 12 de janeiro, alerta que em 2023 o calor extremo afetou a saúde e ajudou a alimentar incêndios. Chuvas intensas, inundações, ciclones tropicais que se intensificam rapidamente deixaram um rastro de destruição, mortes e enormes perdas econômicas.


Vamos acompanhar e divulgar aqui o relatório final da OMM sobre o Estado do Clima Global de 2023, com os detalhes sobre os impactos socioeconômicos na segurança alimentar, deslocamento e saúde.


A evidências científicas são cada vez mais contundentes. Basta olhar para os lados. Temos um clima mexido decorrente das interferências humanas no meio ambiente. Não podemos mais tapar o sol com a peneira e fazer de conta que nada está acontecendo.


(Foto de capa: Christian Braga/Greenpeace)





*Mariluz Coelho é jornalista, especialista em comunicação científica na Amazônia, mestre em Desenvolvimento Sustentável e pesquisadora de comunicação de riscos socioambientais nas alterações climáticas pelo Observatório do Risco da Universidade de Coimbra, Portugal. @mariluzcoelho_ 

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