Novos ônibus e avenida Romulo Maiorana são a livre tradução do aviso "a população que espere"

Obras se eternizam em Belém mais para cumprir os anos de mandato do que para beneficiar a cidade e seus habitantes, veja apenas dois casos da falácia política na capital paraense.

06/07/2024 11:00

Prática comum, atraso na entrega de obras prejudica serviços e torna a população refém da política em Belém e no Pará/Fotos: Divulgação.


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e relance, o leitor pode até pensar que esta matéria trata de novas linhas de ônibus passando pela avenida Romulo Maiorana, no bairro do Marco. Não é. Trata-se de duas coisas - os ônibus e a avenida -, e do retrato da cultura falaciosa dos políticos - o recorte é paraense - em não cumprir prazos.

 

Com raríssimas exceções, em Belém, cobrir agenda de políticos costuma significar longas esperas, com média de uma a duas horas de atraso. Esse mesmo princípio dos longos atrasos eles aplicam para as obras e serviços que prometem.

 

A nova frota de 300 ônibus de Belém e as obras intermináveis da avenida Romulo Maiorana são dois exemplos disso. A Coluna Olavo Dutra pesquisou muitos casos e poderia produzir um gordo dossiê, mas se atém a essas duas promessas para não torrar a paciência do leitor, com um adendo: a prefeitura entregou e inaugurou nesta semana “o primeiro de três trechos da avenida” - um quilômetro do total de três quilômetros. Os ônibus devem chegar em agosto, mas o prefeito de Belém já perdeu a viagem: não vai poder fazer a festa de entrega, pelas regras eleitorais. Bem feito.


 


 

 Sem cerimônia


No dia 26 deste mês, a Prefeitura de Belém apresentaria, com quatro meses de atraso, a tão esperada nova frota de 300 ônibus, equipados com ar-condicionado, internet e wi-fi. Pois bem. Somente no dia e sem uma ruga no texto que indicasse uma cerimônia ou algum tipo de vergonha dos munícipes, a prefeitura informou que a apresentação da nova frota de ônibus da cidade foi adiada.

 

Teria sido mais honesto, inclusive, dizer que a apresentação dos ônibus foi cancelada, uma vez que o adiamento implica informar nova data, coisa que a Prefeitura de Belém ainda não tinha na ocasião, o que só foi confirmado esta semana.

 

Se a leitura da informação parece complicada, os motivos do adiamento, àquela altura, eram mais ainda. Segundo a Prefeitura de Belém, a não realização do evento foi necessária “por questões operacionais no transporte e demais providências para a habilitação dos veículos”.

 

Calendário do atraso

 

Quanto aos quatro meses de atraso, até aqui, é uma conta simples. Ano passado, em 10 de outubro, a Prefeitura de Belém e o governo do Estado, ainda de mãos dadas, anunciaram, junto com o Setransbel a aquisição de 300 novos ônibus para a capital, que vai receber a COP30 em novembro de 2025.

No mesmo evento, o prefeito Edmilson Rodrigues e o governador Helder Barbalho fizeram o anúncio da frota de ônibus modernos, modelo “Euro 6”. Segundo a fala de ambos, o Setransbel assinaria o contrato de compra na semana seguinte e a entrega à população seria em 120 dias, ou quatro meses, ou fevereiro deste ano.

 

Em seu discurso, o próprio governador também mencionou o prazo, falando em entrega, e não em processo que dura quase um ano. “No prazo de uma semana o Setransbel assina a compra. A partir daí se inicia o prazo de fabricação dessas unidades e em janeiro a entrega de chassis para as montadoras. Dentro de 120 dias esses ônibus serão entregues. Serão linhas urbanas, que dialogam na capital e nas linhas troncais que vêm de Ananindeua e Marituba", explicou o governador em matérias divulgadas na grande imprensa e nos portais da prefeitura e governo.

 

Para inglês ver

 

Já em 20 de março deste ano, quando os ônibus, pela promessa inicial, já deveriam ter sido entregues no mês anterior, o portal da Prefeitura de Belém divulgou a notícia de que o prefeito Edmilson Rodrigues estava no Distrito Industrial de Botucatu, em São Paulo, visitando a fábrica responsável pela montagem dos coletivos e com um parágrafo inteiro dedicado à tecnologia aplicada aos veículos, mas sem que o texto mencionasse uma única linha sobre a possível data de entrega.

 

Hora e vez da avenida

 

A essa altura, o leitor já deve estar se perguntando o que a avenida Romulo Maiorana tem com isso. Pois bem, ela também é uma obra em parceria entre a Prefeitura de Belém e o governo do Pará, conforme indicam as duas placas que disputam espaço no início da avenida, e sofre do mesmo mal do atraso na execução, das promessas de entregas não cumpridas e do total descaso das duas instâncias em, ao menos, dar uma satisfação à população sobre a demora.

 

A obra de readequação e reurbanização da avenida Romulo Maiorana, antiga 25 de Setembro, teve início anunciado em 16 de maio de 2022 com uma pomposa audiência pública de participação popular. À época, foi informado pelo prefeito Edmilson Rodrigues, na audiência, que a obra, sob execução pela Secretaria de Urbanismo, teria um grupo de moradores na fiscalização e acompanhamento online.

 

Porém, a obra não foi iniciada de imediato no primeiro semestre, e começou de fato somente no final do segundo semestre daquele ano, em dezembro de 2022.

 

Emenda parlamentar

 

O projeto de reurbanização da via foi orçado inicialmente em R$ 30 milhões, resultado de emenda parlamentar do então deputado federal Cássio Andrade. As placas do governo e da prefeitura, no entanto, informam que a licitação acabou ocorrendo no valor de R$ 27,6 milhões, para reurbanizar a rua desde a travessa Antônio Baena, até o encontro com a avenida Doutor Freitas. A empresa responsável pela execução é o Consórcio Bosque 25.

 

Em 28 de março do ano passado, a Prefeitura de Belém divulgou que as obras estavam a todo vapor, mas sem mencionar data de entrega. Em 14 de julho do mesmo ano, foi a vez do governo do Estado divulgar matéria dando conta de que as obras e serviços de drenagem na avenida já chegam a 90% de execução e que a obra já estava quase concluída no primeiro trecho da via, de 3 Km.

 

Visitas e promessa

 

Este ano, no final de janeiro, o prefeito Edmilson Rodrigues visitou as obras e informou que a primeira etapa seria entregue em breve, mas não disse quando. Somente no último dia 22 de junho é que a Prefeitura de Belém finalmente divulgou que poderia entregar, no próximo semestre, a primeira etapa, mas também não arriscou dar uma data. Quer dizer: mês passado, a prefeitura não sabia da missa, a metade: o trecho previsto para o segundo semestre foi entregue nesta semana.

 

Calendário eleitoral

 

Nesta última semana, as inaugurações foram intensificadas em Belém. Se em São Paulo, por exemplo, o prefeito Ricardo Nunes, do MDB, chegou a fazer três inaugurações em um mesmo dia, Edmilson Rodrigues não quis ficar para trás e, na tarde e noite da última quinta-feira, inaugurou três praças na Marambaia e uma parte da reurbanização da Romulo Maiorana. No mesmo dia, Ed deu uma passadinha no Ver-o-Peso, onde assinou a ordem de serviço para o início das obras de reforma dos Mercados de Carne Francisco Bolonha e de Peixe. Ontem, a maratona de inaugurações foi para o Distrito de Mosqueiro.

 

Batendo cabeça

 

Na avenida Romulo Maiorana, um detalhe chamou atenção: se em janeiro de 2023, quando a Prefeitura de Belém deu início às obras, a reportagem da Agência Belém dizia, em bom português, que “o empreendimento é resultado de parceria” com o governo do Estado, na postagem de quinta-feira, 4, a Agência ignorou solenemente o governo do Pará. “Toda a obra de reurbanização da avenida está avaliada em R$ 27 milhões e vai promover...”. E mais não disse.

 

Já na reportagem da Agência Pará, que faz a divulgação oficial do governo, do dia 14 de março de 2023, está bem claro: “A obra faz parte de um convênio celebrado com a prefeitura no valor de R $27 milhões”. Ninguém se entende mais, enfim.

 

Não falta reclamação

 

 Com a obra entregue, os internautas começaram a postar reclamações nas redes sociais. Um publicou uma foto e disse “Dois anos de obras para entregar uma calçada”, escreveu, ironicamente. Outro reclama porque os vendedores de café e tapioquinha, comuns nesse trecho da avenida, continuam sem ter um lugar digno para trabalhar.

 

“Essa obra é sinônimo de corrupção e desrespeito à população. Ou seja, ‘obra’ de 1,99. O pior é que acho que deixaram a pobre Raimundinha, que tem mais de 25 anos trabalhando na 25, fora de um local de trabalho, por conta dessa politicagem sem vergonha comum entre esses políticos”, escreveu um morador de mais de 30 anos na avenida.


Dona Raimundinha é uma das mais conhecidas tapioqueiras na avenida Romulo Maiorana e as barraquinhas de tapioca ainda estão no mesmo lugar improvisado.

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