á sinais - sinais evidentes de que há algo mais nas águas dos rios e baías do Pará do que imagina o sujeito que visita a Estação das Docas, em Belém, ou Mosqueiro, mais adiante. Na Baía do Guajará, a Romaria Fluvial, por exemplo, viu águas estranhamento “esverdeadas” - e não foi “um milagre”.
O
fenômeno repercutiu nas redes sociais, principalmente depois de uma foto
divulgada pelo presidente Lula, que acompanhou a romaria. Existe uma explicação
científica para o fenômeno, e preocupação com a segurança na navegação nos rios
do Pará, especialmente no transporte de passageiros.
Invasão que vem do mar
A
Baía do Guajará, em Belém, é influenciada de forma indireta pelas águas do
Oceano Atlântico. A baía é alimentada principalmente pelos rios Guamá, Acará e outras
pequenas bacias, mas, devido à proximidade com o estuário do rio Amazonas e a
Baía de Marajó, as marés do Atlântico afetam suas águas.
Então,
por conta da localização, a Baía do Guajará é afetada pelas marés do Oceano
Atlântico, embora suas águas sejam principalmente de origem fluvial. A
interação entre as águas doces e salgadas cria um ambiente de água salobra e
mudança de cor, típico de regiões estuarinas, que caracteriza a dinâmica
hídrica da baía.
Essa
proximidade com o Atlântico pode explicar a mudança de cor das águas da baía
por ocasião da Romaria Fluvial. Isso já aconteceu outras vezes, incluindo o
final dos anos 1980, quando a cor esverdeada e o gosto salgado das águas da
baía chamaram a atenção com grande repercussão no noticiário nacional e
internacional.
A
distância entre o Oceano Atlântico e a Baía do Guajará é de aproximadamente 120
a 150 quilômetros, dependendo do ponto específico considerado. A Baía do
Guajará está conectada ao sistema fluvial e estuarino da região, especialmente
à Baía de Marajó, que por sua vez é influenciada diretamente pelas águas do
Atlântico.
Essa
conexão permite que as marés do oceano influenciem a baía, mas não há uma
ligação direta por terra entre o Oceano Atlântico e a Baía do Guajará, já que a
Ilha de Marajó está localizada entre eles, atuando como uma barreira natural.
Fenômeno exige estudos
A
jornalista socioambiental e colaboradora da Coluna Olavo Dutra,
Mariluz Coelho, pesquisadora especializada em Comunicação Científica na
Amazônia e ligada ao Observatório de Risco da Universidade de Coimbra, em
Portugal, pesquisa a região do Marajó e as comunidades que sofrem os efeitos do
avanço do nível do mar.
Segundo
a jornalista, a melhor explicação para a mudança de cor na baía ainda é a
influência das águas do Oceano Atlântico, a partir da ocorrência das grandes
marés. No entanto, ressalta que a análise desse fenômeno não pode ser simplista
e precisa ser aprofundada.
“O
aquecimento global, que já provocou o aumento do nível do mar, é um fator a ser
analisado nesse fenômeno, que consideramos apenas um sinal. Estamos em meio a
uma crise climática no planeta, com temperatura média global 1,5°C acima da era
pré-industrial, ultrapassando os limites de segurança do Acordo de Paris. Isso
elevou os níveis dos mares em todo o planeta. Sempre existiu um movimento
natural entre o rio e o mar, mas essa lógica parece ter mudado. O oceano ganha
força e está entrando mais intensamente na Baía do Guajará, através da Baía do
Marajó”, explica.
Sinal de alerta ligado
A
intrusão de água salgada na Baía do Guajará pode impactar a flora e fauna
locais, assim como as atividades econômicas, como a pesca e o abastecimento de
água. Mas existe outro problema: a segurança na navegação.
O
fenômeno da água esverdeada na Baía do Guajará coincide com situações atípicas
no transporte de passageiros saindo de Belém. No último dia 2, a lancha
“Expresso Golfinho”, da empresa Master Motors, teve uma pane após, segundo os
tripulantes, atingir um tronco de madeira, abrindo um buraco no casco. O
comandante conseguiu desviar para Mosqueiro, evitando o naufrágio, e a
embarcação foi socorrida.
Clodoaldo
Lima Figueiredo, que estava na lancha, conta que tudo foi muito rápido. "A
água tomou conta da embarcação. O comandante deu o alarme e mandou colocar os
coletes salva-vidas. Já estávamos fora da Baía do Marajó, chegando em
Mosqueiro. Se isso tivesse acontecido na baía, não estaríamos aqui para contar a
história", relata.
Em águas revoltas
Uma
equipe da coluna enfrentou, durante a semana, a fúria das águas da Baía do
Marajó em uma lancha de passageiros entre Belém e o Marajó, travessia que durou
quase duas horas - duas horas de agonia, por assim dizer. Era dia de maré
grande, a chamada "maré de lance", em período de lua cheia.
Ao
entrar na baía, logo se percebe a presença das águas do Oceano Atlântico. As
marés entre os dias 17 e 19 de outubro foram atípicas, por causa do mês, quando
normalmente as águas se acalmam. A tábua de marés registrava as maiores marés
dos últimos anos, oscilando entre 3 e 4 metros, considerando a mínima e a
máxima.
Uma
fonte das empresas que fazem o trajeto conta que a influência do Atlântico
oferece risco por conta do inesperado. “Para navegar nessa situação, temos que
ficar muito atentos, porque o movimento das águas está diferente, além das
ondas que fazem a embarcação ‘bater forte’, com o risco até de quebrar. Mesmo
para os mais experientes, está difícil a navegação”, relata.
Ao
entrar na Baía do Marajó, a lancha foi contra a maré e bateu forte na subida e
descida do movimento das ondas. A tensão entre os passageiros era visível. Uma
passageira acostumada a viajar no trajeto disse que nunca havia enfrentado uma
viagem assim. “Fiquei com medo”, declarou. Ela viajava com o filho.
.
Também
chamam a atenção às condições das lanchas que fazem viagens para o Marajó, todos
os dias, indo e voltando, sem parar. São apenas duas empresas operando com duas
embarcações, algumas com rachaduras nas janelas e nos cascos. As águas mais
perigosas e a falta de manutenção das embarcações formam um cenário de risco,
mas não se observam ações de prevenção por parte das autoridades.