Espetáculo da rede não mascara dura realidade em Marituba, que bate recordes de exclusão

O problema é o desequilíbrio: a superexposição da prefeita Patrícia Alencar toma lugar da prestação de contas, da transparência e do compromisso com o cidadão.

Por Olavo Dutra

10/06/2025, 08:00
Espetáculo da rede não mascara dura realidade em Marituba, que bate recordes de exclusão
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os últimos dias, a prefeita de Marituba, Patrícia Alencar, do MDB, se transformou, subitamente, em personagem de destaque nacional. Um vídeo dela, usando trajes sumários e dançando de modo provocativo, viralizou nas redes sociais, impulsionando seu perfil do Instagram de 700 mil para 1 milhão de seguidores em questão de horas. A façanha digital - questionada quanto à sua autenticidade, uma vez que tal salto raramente ocorre organicamente, mesmo para grandes celebridades - trouxe à tona um antigo dilema brasileiro: a sombra de um marketing pessoal eficiente sobre a luz das obrigações públicas negligenciadas.

Para além do espetáculo, 70% dos cerca de 140 mil habitantes do município da Grande Belém vivem em situação alarmante de pobreza, sem filtros/Fotos: Divulgação.
A estratégia é velha conhecida no universo midiático. Uma figura pública posta algo polêmico, se diz vítima do moralismo e da intolerância, e verte sobre si a aura da mártir incompreendida pelo “sistema”. O resultado é engajamento, apoio e, claro, seguidores. No caso da prefeita Patrícia, tudo indica que o propósito foi atingido: sites nacionais e portais de renome como O Globo e G1 replicaram a polêmica, garantindo à gestora uma audiência jamais vista por sua administração.

No entanto, a pergunta mais relevante permanece incômoda e sem resposta clara: o que Patrícia Alencar fez, de fato, por Marituba? Quais mudanças concretas a prefeita, com sua popularidade digital em alta, proporcionou aos quase 140 mil habitantes do município, cuja dura realidade está muito distante do universo filtrado e plastificado das redes sociais?

Basta uma espiada

Basta uma análise dos dados oficiais para perceber o tamanho do abismo. Segundo indicadores públicos, Marituba convive com índices alarmantes de pobreza, falta de saneamento e baixa escolaridade. São cerca de 96 mil habitantes - quase 70% da população - vivendo sem esgoto em suas casas. Aproximadamente 58 mil pessoas não têm acesso à água potável. Sobram pessoas, faltam saneamento, saúde e serviços básicos. 

Quase metade da população reside em famílias com renda mensal de até meio salário-mínimo per capita. Mais de 18 mil maritubenses estão oficialmente na pobreza; cerca de 6 mil sobrevivem em condições de extrema pobreza -  a condição de vida em que as necessidades básicas humanas, como alimentação, abrigo, saúde e educação, não são atendidas, caracterizada por uma renda muito baixa, abaixo de uma média internacional definida pelo Banco Mundial, geralmente de US$ 2,15 por dia por pessoa.

Quando o foco se volta à educação, a situação é igualmente sombria: mais de 53% dos jovens de 15 a 17 anos não completaram o ensino fundamental, e 67% dos jovens entre 18 e 20 anos não terminaram o ensino médio. O analfabetismo pleno atinge 6% dos adultos de Marituba; outros 44% sequer concluíram o ensino fundamental. Modelos educacionais como o Brasil Alfabetizado, do MEC, tão necessários em locais assim, parecem não passar do papel.

Aviso de prioridade

Em qualquer esfera administrativa séria, esses números serviriam como urgente aviso de prioridade: esgoto, água, escolas, empregos. Na administração de Patrícia Alencar, noviça no MDB, a tônica visível é outra: shows para multidões, asfaltamentos sem drenagem, obras de impacto zero sobre a qualidade de vida dos moradores. Falta, sobretudo, o básico. Marituba segue atolada, literalmente, no esgoto a céu aberto e, nas ruas alagadas durante as chuvas, exposta à carência de políticas públicas efetivas.

Investigação em curso

No campo político-institucional, o cenário também é nebuloso. Recentemente, a prefeita tornou-se alvo de investigação formal do Ministério Público, que instaurou um inquérito para apurar supostos atos de improbidade administrativa e crimes de responsabilidade, apontando indícios que podem resultar em sérias consequências jurídicas e administrativas. 

Sob a lupa da Promotoria de Marituba, pairam suspeitas acerca de malversação do patrimônio público e desrespeito à moralidade administrativa - questões recorrentes em gestões marcadas mais por escândalos midiáticos do que por realizações concretas.

Não se trata, porém, de demonizar o uso das redes sociais ou lamentar a ascensão de figuras públicas de baixa densidade no mundo digital. Vive-se em uma época em que a comunicação instantânea é aliada, não empecilho, à boa administração. Prefeitos, governadores e presidentes devem dialogar com o povo onde ele está - nas ruas, nas redes, nas praças. O problema é o desequilíbrio: quando a notícia fabricada, a polêmica calculada, o espetáculo vazio tomam o lugar da prestação de contas, da gestão transparente e do compromisso com a realidade do cidadão.

Populismo digital

A conta do “populismo digital” não fecha. O avanço numérico de likes e seguidores, sejam eles orgânicos ou “inflados”, nunca poderá camuflar buracos nas avenidas, escolas sem estrutura, postos de saúde sem insumos. Quando se faz do Instagram ou do Tik-Tok o palco central do poder, corre-se o risco de esquecer o essencial: para quem, de fato, se governa? Para o povo carente ou para o público efêmero das redes?

Enquanto a prefeita bate recordes de engajamento, Marituba mantém recordes de exclusão. Enquanto filtros suavizam sua imagem, a dura realidade não se altera - e os indicadores sociais seguem à margem do progresso. Prefeitos passarão. Seguidores, também. Mas, uma comunidade inteira seguirá à espera - seja de uma administração séria, seja de um olhar menos ensimesmado sobre o próprio ego digital.

No fim das contas, cabe aos eleitores, e principalmente à imprensa local e nacional, não se deixar levar pelo espetáculo momentâneo nem pela cortina de fumaça do exibicionismo. É preciso ir além dos vídeos polêmicos, checar resultados, cobrar dados, exigir prioridades. 

O povo de Marituba merece mais do que likes: merece dignidade, infraestrutura, saúde e educação. Esse é o verdadeiro “engajamento” que importa. 

Papo Reto

A Prefeitura de Belém deve divulgar um novo edital com premiação para os concursos de quadrilhas juninas e misses e trará novidades importantes, como as premiações deste ano que irão contar com o apoio direto do governo federal. 

•A decisão saiu depois de forte pressão dos grupos juninos, que se uniram em protesto diante da proposta inicial da Secretaria de Cultura, que reduzia drasticamente a premiação e o número de grupos contemplados. 

O apoio, pelo jeito, vem no Ministério do Turismo, onde o titular é Celso Sabino, irmão da titular da Secretaria, Cilene Sabino (foto).

•Fustigado até mesmo por quem lhe deveria apoio, o prefeito de Parauapebas, Aurélio Goiano, do Avante, segue sob ataque.

O vereador Sargento Nogueira, do mesmo partido, denuncia a presença de pessoas vindas do Estado do Tocantins para comandar a Comissão Permanente de Licitações da prefeitura. 

• Por trás desse grupo de técnicos estaria um ex-prefeito da região sudeste do Estado, apontado como uma espécie de mentor da gestão de Goiano.

Em Marabá, o prefeito Toni Cunha, do PL, dormiu ontem certo de que hoje um dos seus opositores na Câmara entrará com pedido de sua cassação, hoje. O próprio prefeito publicou a informação em uma rede social. 

•Os órgãos de saúde já estão alertas para os nicotine pouches, que são sachês que liberam nicotina sem precisar fumar ou vaporizar, mas estão bombando no mercado. 

Segundo projeções, o consumo dos sachês deve crescer mais de 2.500% neste ano, em comparação a 2019, um ritmo muito acima de qualquer outro formato, incluindo os vapes, que foram uma grande tendência. 

•A popularidade não vem só da moda: os sachês são discretos, têm sido vistos como ''alternativas menos nocivas", e devem ultrapassar US$ 18 bilhões até o final de 2026.

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