Contradição

Exploração de petróleo na Amazônia coloca Brasil na contra-mão do acordo assinado na COP 28

Na encontro realizado em Dubai, Brasil concordou com a necessidade de fazer a transição do petróleo, gás e carvão mineral para fontes de energia limpa, ainda assim, não abre mão do projeto de exploração de petróleo na foz do Amazonas.

Mariluz Coelho* | Especial para o POD

08/01/2024 15:51
Exploração de petróleo na Amazônia coloca Brasil na contra-mão do acordo assinado na COP 28

Coimbra (POR) - A exploração do petróleo na Foz do Rio Amazonas virou um “problemão” para o governo brasileiro, mais ainda a partir da COP 28, que ocorreu em Dubai, no final de 2023. O principal ponto firmado na Conferência foi a necessidade de pôr fim aos combustíveis fósseis de forma gradativa. Foi somente um sinal. Porém, pela primeira em uma COP, ficou escrito no acordo entre os países membros a necessidade da virada energética - que já chega tarde. 


Então, como fica a clara disposição do governo brasileiro de autorizar nova frente para exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas?  Uma área já apontada pelo Ministério de Meio de Ambiente como de risco para o patrimônio material e imaterial naquele pedaço da Amazônia. Significa risco para a biodiversidade e para a fonte de subsistência de quem vive lá. 


Desde a Cúpula da Amazônia, ocorrida nos dias 8 e 9 de 2023, que reuniu em Belém, chefes de Estado de países da Amazônia internacional, nas linhas e entrelinhas ficou evidente que o governo brasileiro pretende manter o projeto para exploração do petróleo na Foz do Amazonas. E agora?


"Cúpula da Amazônia" sequer tocou na palavra 'petróleo', no encontro realizado em Belém. (Foto: Divulgação)


Vale a palavra ou a prática?


O Brasil também concordou, na COP28, que é preciso começar a fazer a transição do petróleo, gás e carvão mineral para fontes de energia limpa. Sabemos que isso não se dará de uma hora para outra. Mas, frear novas frentes de exploração dos combustíveis fósseis é dever de casa para todos os países, inclusive para o Brasil. 


O Acordo de Paris definiu a meta de manter o aumento da temperatura média global menor que 2°C e de se empenhar para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. O Painel intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU aponta os combustíveis fósseis como os vilões do aquecimento do planeta.


Chegar ao aquecimento de 2°C acima dos níveis pré-industriais é o ponto apontado pelos estudos como catastrófico para o planeta. É o futuro sem volta com falta de água, eventos extremos, derretimento das geleiras e elevação do nível do mar, tempestades, secas, cheias e até falta de alimentos.


Qual a fórmula?


Diante disso, uma das perguntas insistentes que transitam pelos corredores das COPs é como produzir de forma sustentável sem degradar o meio ambiente? Isso porque o sistema de produção e de desenvolvimento do planeta está desenhado para consumir alimentos, minério, petróleo e energia. Essas riquezas são retiradas do meio ambiente.


Brasil seguirá vigiado sobre o tema até chegada da COP 30, que acontecerá em Belém. (Foto: Divulgação)


Elas são finitas e a exploração da forma feita atualmente cria cicatrizes no solo, nas florestas, nos oceanos e em todos os continentes. Uma população mundial de aproximadamente 8 bilhões de pessoas consome muito. Limitar e 1,5ºC o aumento da temperatura permite o monitoramento e a revisão a cada 5 anos do aquecimento no planeta. É a forma de revelar publicamente o que os países estão fazendo para colaborar com o cumprimento da meta.


Dedo na ferida


Em meio às emergências climáticas, a COP 28, em Dubai, mexeu em uma das feridas do sistema produtivo mundial, que é o consumo de energia a partir dos combustíveis fósseis - petróleo, gás e carvão. Essas fontes largamente adotadas nos países industrializados e mais ricos são altamente poluentes e agravam intensamente as mudanças climáticas, que representam ameaças à vida. Os riscos climáticos estão na porta de todos os países, porque o planeta é um só. Então, o que atinge um vai atingir a todos em algum momento e de alguma forma. 


A Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas em Dubai apontou o dedo para esse gargalo da sustentabilidade ambiental no mundo, que é a necessidade urgente de “transição” dos combustíveis fósseis. “A eliminação progressiva do principal fator causador das alterações climáticas é inevitável”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, referindo-se aos combustíveis fósseis. Guterres costuma dar declarações contundentes sobre os riscos climáticos sempre amparado nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima da ONU. 


Números revelam riscos


Os relatórios do IPCC já concluíram ser inequívoca a influência humana no planeta e que essas interferências alteram com mais rapidez o clima. Isso se traduz nos extremos que temos observado: cheias, secas, calor e frio, além do que costumávamos ter. Podemos dizer que tudo vai de 8 a 80 em uma velocidade assustadora.


Por isso, a ONU afirma que as mudanças climáticas não são um problema do futuro, mas, do presente. “Ninguém está seguro”, afirma. Os cientistas do IPCC constataram que entre 1850 e 2019, os seres humanos emitiram 2.390 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. O IPCC aponta que a maior parte das emissões, de 80% a 90%, é proveniente da queima de combustíveis fósseis, especificamente petróleo, carvão mineral e gás. 


Belém do Pará, sede da COP 30, que pela primeira vez será realizada no Brasil. (Foto: João Ramid)


O abismo entre intenção e prática


Apesar de a COP28 ter incluído, entre os próximos compromissos dos países, a eliminação progressista dos combustíveis fósseis, o texto anda é genérico, cheio de adjetivos e não detalha metas para a sua execução até 2030. O documento sugere que os países devem mudar seus sistemas energéticos de forma justa, ordenada e equitativa. Mas, o que é justo, ordenado e equitativo? Seria abrir caminho para alguns projetos de exploração de combustíveis fósseis já ehttps://www.portalolavodutra.com.br/uploads/9891b57836490cdd18bf05a7adc30568_1704740808_.jm curso?


A ONU já alertou para o perigo de abrir novas frentes para explorar esses combustíveis como o exemplo o petróleo. Diante da bandeira hasteada contra os combustíveis fósseis na COP 28, saltam aos olhos novamente os movimentos do governo brasileiro em levar em frente a exploração do petróleo na foz do Rio Amazonas, mesmo com a recomendação de indeferimento da licença ambiental pelo Ibama, que identificou riscos para o meio ambiente na área. 


Os protestos de ambientalistas nos corredores dos Diálogos Amazônicos, evento que antecedeu a Cúpula da Amazônia, nos dias 8 e 9 do ano passado ficaram por lá mesmo. A Declaração de Belém, documento oficial da cúpula, não menciona a palavra “petróleo”. Porém, com o compromisso firmado na COP 28, o assunto exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas permanecerá uma pedra no caminho do governo brasileiro até a COP 30.



*Mariluz Coelho é jornalista, especialista em comunicação científica na Amazônia,

mestre em Desenvolvimento Sustentável e pesquisadora de comunicação de riscos

socioambientais nas alterações climáticas pelo Observatório do Risco da Universidade

de Coimbra, Portugal. @mariluzcoelho_ 



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