Na primeira viagem internacional como presidente da COP 30, o embaixador André Corrêa do Lago não pareceu confortável ao abordar o assunto dos combustíveis fósseis. Isso pode ser explicado pela recente decisão do governo brasileiro de autorizar o leilão para a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, justamente no ano da COP 30, na Amazônia.
O leilão está previsto para 17 de junho, cinco meses antes da primeira Conferência do Clima da ONU a ser realizada no Brasil. O repórter da ONU News perguntou se, após o silêncio da COP de Baku sobre a necessidade de eliminação gradual dos combustíveis fósseis, a COP 30, na Amazônia, irá romper esse silêncio.
Na entrevista, que pode ser acessada na íntegra em https://news.un.org/pt, o embaixador buscou a diplomacia para responder: “Eu acho que há uma convicção muito grande dos países de que cada país vai ter que ter um pouco a sua maneira de fazer essa transição de afastamento dos fósseis. Então, eu acho que é um exercício, por exemplo, que nós, no Brasil, estamos fazendo. E que as soluções são muito específicas para países”, disse o presidente da COP 30.
Soberania

Na entrevista, André Corrêa do Lago reconheceu a ausência de um cronograma claro sobre como ocorrerá a eliminação gradual dos combustíveis fósseis no mundo. Na COP28, em Dubai, não foram estabelecidas metas e nem prazos para a transição energética no planeta.
Indagado acerca do que tem em mente sobre o Brasil avançar no sentido da eliminação gradual dos fósseis, o presidente da COP 30 disse que o país já apresentou sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis.
“Agora, você não pode ser muito restritivo em considerações gerais, porque realmente as opções têm que ser feitas pelos países. A soberania dos países de como eles vão fazer essa transição tem que ser preservada”, declarou o embaixador.
O acordo de eliminação dos combustíveis fósseis é global, porém, o embaixador defendeu a soberania dos países no processo de transição energética. Defender soberania parece razoável, mas o problema climático vai além das fronteiras, é de todos os países e, sem um cronograma claro, a economia tende a continuar ditando as regras - e isso sem considerar a crise climática que vivemos.
Por mais habilidade que tenha na condução de assuntos espinhosos, o embaixador fez declarações bem genéricas. O Brasil foi um dos países a assinar o acordo na COP de Dubai, em 2023, para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Tivemos um acordo, e quase nada foi cumprido. O ritmo de exploração de petróleo e outros combustíveis fósseis no mundo não sofreu mudanças significativas de lá para cá.
Contradição
Lula da Silva, que sempre foi reconhecido como um líder nas questões ambientais no planeta, dá um passo no mínimo arriscado para a sustentação do discurso de líder ambientalista no mundo.
Uma pergunta é clara: como o governo brasileiro pretende manter o discurso de liderança climática no mundo, no momento em que sedia a COP 30 e, ao mesmo tempo, autoriza novas frentes para explorar combustível fóssil? Petróleo, gás e carvão, representam cerca de 75% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE).
Para o Observatório do Clima, que sempre defendeu as agendas progressistas do presidente Lula, o discurso do governo brasileiro contraria a posição que o próprio presidente adotou na COP 28, em Dubai, quando declarou: “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis".
O Observatório afirmou que, a poucos meses da COP 30, o Brasil dobra a aposta na expansão da exploração de petróleo, indo na contramão de seu próprio compromisso com a Missão 1.5, uma tentativa de proteger a meta assumida no Acordo de Paris.
Omissão
Sabe-se que, politicamente, Lula vive um dilema e pula uma fogueira em torno de algumas alianças que o elegeram e o pressionaram para que o leilão fosse autorizado. Além disso, há a posição do Brasil na geopolítica e na economia global.
Os países que controlam a produção e exportação de petróleo, gás e carvão historicamente exerceram grande influência no planeta. Nações como Arábia Saudita, Rússia, Estados Unidos e China fazem parte desse grupo, utilizando os combustíveis fósseis como ferramentas geopolíticas.
Porém, não se pode fechar os olhos para a crise do clima, que não é de um país somente, e sim do planeta. É verdade que o Brasil ainda está entre os países que menos contribuíram para o aquecimento global. Por isso mesmo, e como detentor da maior parte da floresta amazônica, tem a oportunidade de liderar a revolução climática no mundo.
Na resistência às decisões do governo brasileiro, pesquisadores que constatam o agravamento dos problemas ambientais não podem deixar de olhar do alto. Existem dois lados postos: os que acreditam na crise climática e os que negam. Essa dicotomia criou âncoras no planeta.
Donald Trump é a referência do negacionismo ambiental. Lula é uma âncora para os que reconhecem e agem para mitigar a crise climática. Autorizar uma frente de exploração de petróleo na Amazônia é muito mais do que uma ação - é também um ato simbólico nessa batalha.