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Presidente da COP 30 mostra desconforto sobre combustíveis fósseis com o petróleo na foz do Amazonas

O leilão está previsto para 17 de junho, cinco meses antes da primeira Conferência do Clima da ONU a ser realizada no Brasil.

Mariluz Coelho/João Ramid | Especial para o POD

09/03/2025, 14:00
Presidente da COP 30 mostra desconforto sobre combustíveis fósseis com o petróleo na foz do Amazonas

Na primeira viagem internacional como presidente da COP 30, o embaixador André Corrêa do Lago não pareceu confortável ao abordar o assunto dos combustíveis fósseis. Isso pode ser explicado pela recente decisão do governo brasileiro de autorizar o leilão para a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, justamente no ano da COP 30, na Amazônia.


O leilão está previsto para 17 de junho, cinco meses antes da primeira Conferência do Clima da ONU a ser realizada no Brasil. O repórter da ONU News perguntou se, após o silêncio da COP de Baku sobre a necessidade de eliminação gradual dos combustíveis fósseis, a COP 30, na Amazônia, irá romper esse silêncio.


Na entrevista, que pode ser acessada na íntegra em https://news.un.org/pt, o embaixador buscou a diplomacia para responder: “Eu acho que há uma convicção muito grande dos países de que cada país vai ter que ter um pouco a sua maneira de fazer essa transição de afastamento dos fósseis. Então, eu acho que é um exercício, por exemplo, que nós, no Brasil, estamos fazendo. E que as soluções são muito específicas para países”, disse o presidente da COP 30.


Soberania


André Corrêa do Lago e o desconforto ao falar de transição energética. Foto: reprodução ONU News.


Na entrevista, André Corrêa do Lago reconheceu a ausência de um cronograma claro sobre como ocorrerá a eliminação gradual dos combustíveis fósseis no mundo. Na COP28, em Dubai, não foram estabelecidas metas e nem prazos para a transição energética no planeta. 


Indagado acerca do que tem em mente sobre o Brasil avançar no sentido da eliminação gradual dos fósseis, o presidente da COP 30 disse que o país já apresentou sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis.


“Agora, você não pode ser muito restritivo em considerações gerais, porque realmente as opções têm que ser feitas pelos países. A soberania dos países de como eles vão fazer essa transição tem que ser preservada”, declarou o embaixador. 


O acordo de eliminação dos combustíveis fósseis é global, porém, o embaixador defendeu a soberania dos países no processo de transição energética. Defender soberania parece razoável, mas o problema climático vai além das fronteiras, é de todos os países e, sem um cronograma claro, a economia tende a continuar ditando as regras - e isso sem considerar a crise climática que vivemos. 


Por mais habilidade que tenha na condução de assuntos espinhosos, o embaixador fez declarações bem genéricas. O Brasil foi um dos países a assinar o acordo na COP de Dubai, em 2023, para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Tivemos um acordo, e quase nada foi cumprido. O ritmo de exploração de petróleo e outros combustíveis fósseis no mundo não sofreu mudanças significativas de lá para cá.


Contradição


Posição ameaçada: Lula é visto como um líder mundial no combate à crise climática.


Lula da Silva, que sempre foi reconhecido como um líder nas questões ambientais no planeta, dá um passo no mínimo arriscado para a sustentação do discurso de líder ambientalista no mundo.


Uma pergunta é clara: como o governo brasileiro pretende manter o discurso de liderança climática no mundo, no momento em que sedia a COP 30 e, ao mesmo tempo, autoriza novas frentes para explorar combustível fóssil? Petróleo, gás e carvão, representam cerca de 75% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). 


Para o Observatório do Clima, que sempre defendeu as agendas progressistas do presidente Lula, o discurso do governo brasileiro contraria a posição que o próprio presidente adotou na COP 28, em Dubai, quando declarou: “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis".


O Observatório afirmou que, a poucos meses da COP 30, o Brasil dobra a aposta na expansão da exploração de petróleo, indo na contramão de seu próprio compromisso com a Missão 1.5, uma tentativa de proteger a meta assumida no Acordo de Paris.


Omissão


Para além das lentes, com o cacique Raoni, Lula reforçou o compromisso com as questões ambientais.


Sabe-se que, politicamente, Lula vive um dilema e pula uma fogueira em torno de algumas alianças que o elegeram e o pressionaram para que o leilão fosse autorizado. Além disso, há a posição do Brasil na geopolítica e na economia global.


Os países que controlam a produção e exportação de petróleo, gás e carvão historicamente exerceram grande influência no planeta. Nações como Arábia Saudita, Rússia, Estados Unidos e China fazem parte desse grupo, utilizando os combustíveis fósseis como ferramentas geopolíticas.


Porém, não se pode fechar os olhos para a crise do clima, que não é de um país somente, e sim do planeta. É verdade que o Brasil ainda está entre os países que menos contribuíram para o aquecimento global. Por isso mesmo, e como detentor da maior parte da floresta amazônica, tem a oportunidade de liderar a revolução climática no mundo.


Na resistência às decisões do governo brasileiro, pesquisadores que constatam o agravamento dos problemas ambientais não podem deixar de olhar do alto. Existem dois lados postos: os que acreditam na crise climática e os que negam. Essa dicotomia criou âncoras no planeta.


Donald Trump é a referência do negacionismo ambiental. Lula é uma âncora para os que reconhecem e agem para mitigar a crise climática. Autorizar uma frente de exploração de petróleo na Amazônia é muito mais do que uma ação - é também um ato simbólico nessa batalha.




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