única palavra mais próxima para ser usada como classificação do que aconteceu durante todo o dia de ontem, quinta-feira, na Universidade Federal Rural da Amazônia é vergonha. Há quem prefira a expressão “afronta à Justiça” - e, como tal, a cobrança chegou a galope.
Certo é que, mesmo com uma liminar assinada pela juíza federal Maria Carolina Valente do Carmo, da 5ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Pará, quarta-feira, 28, determinando a suspensão imediata da eleição para eleger a lista tríplice para reitor e vice-reitor da Universidade, a Comissão Eleitoral autorizou a consulta, barrada no início da noite por força de intervenção judicial e ameaças de prisão.
O agravante é que o vice-reitor em exercício, professor Jaime Viana de Souza, e Adriano Vitti Mota, presidente da Comissão Eleitoral da Ufra, estavam com um mandado de prisão decretado, caso a eleição não fosse suspensa. Por volta das 19 horas de ontem, dois oficiais da Justiça Federal chegaram à Universidade, acompanhados de policiais federais, e só assim o processo foi interrompido. Os policiais lacraram as urnas eletrônicas e todo o material utilizado durante o dia inteiro em uma eleição suspensa no dia anterior. Agora, o processo eleitoral está judicializado e não se tem a menor ideia de como será resolvido, nem quando.
Confusão generalizada
Os oficiais e policiais federais deixaram a Universidade, mas tiveram que passar pelo constrangimento de quase ter que partir para atos extremos, quando os partidários da reitora Herdjânia Veras tentaram impedir a entrada dos agentes. Depois de todo material lacrado e recolhido, caixas e mais caixas foram levadas para a sede da Polícia Federal.
Ao mesmo tempo, os opositores, munidos de celulares, filmavam a confusão e passando a gritar palavras de ordem como “Fora, Herdjânia!”. No meio do quase confronto, o coordenador de comunicação da Ufra, José Itabirici de Sousa Junior, ainda teve tempo para fingir que havia desmaiado e para tentar impedir os protestos de alunos e professores.
Desobediência à lei
Desde a noite de quarta-feira, já com o despacho da juíza Maria Carolina suspendendo a eleição, o presidente da Comissão Eleitoral, Adriano Vitti Mota, dava indícios de que iria endurecer o processo. Em nota, ele disse que a comissão não havia sido notificada e que a eleição iria continuar normalmente.
Na manhã de ontem a eleição, marcada para começar às 8 horas, teve bastante atraso, mas começou. Quando o oficial de Justiça chegou à faculdade, Adriano se recusou a receber o documento. O servidor, então, tentou notificar a reitora Herdjânia Veras, que não estava na universidade, mas já havia votado - nela mesma, por óbvio. O oficial de Justiça deu a Universidade como notificada, pois tem a prerrogativa da “fé pública”. Mesmo com todos esses procedimentos, a eleição continuou. Herdjânia votou e fez “dancinha”.
Desfecho do imbróglio
O advogado Milson Abronheiro de Barros, que defende os interesses da Chapa 1 - e entrou na Justiça pedindo a suspensão da eleição -, voltou a falar com a juíza Maria Carolina, que emitiu outra liminar suspendendo o processo eleitoral e determinando o uso de força policial com mandado de prisão para o presidente da Comissão Eleitoral pelo descumprimento da decisão judicial.
O novo despacho da juíza Maria Carolina manteve a multa pessoal de R$ 100 mil, a mesma do despacho de quarta-feira,28, e determinou que, caso Jaime Viana de Souza e Adriano Vitti Mota ainda insistissem em manter o processo em curso, seriam presos em flagrante por desobediência, como determina o artigo 330 do Código Penal.
Eleição comprometida
O pleito, iniciado em maio, contou com quatro chapas concorrendo para a formação da lista tríplice que seria enviada para escolha do novo reitor pelo governo federal. Para a professora e candidata da Chapa 3, Tatiana Pacheco, as irregularidades prejudicaram o processo democrático na instituição.
“Nós poderíamos estar discutindo mais desenvolvimento científico e tecnológico, produzindo mais ciência. Esse é o papel da Ufra: servir à sociedade com conhecimento, pesquisa e extensão. Mas, ao contrário, vivemos um processo eleitoral arrastado por irregularidades e descumprimentos judiciais. Queremos o retorno da legalidade para que possamos exercer plenamente nosso direito democrático”, ressaltou.
A candidata pela chapa 4, Gracialda Ferreira, reforça que o Conselho Superior operou irregularmente, comprometendo o processo eleitoral. “Agora, vivemos um momento decisivo, um ato de esperança para restaurar a transparência e a ética na instituição. Não vejo impacto negativo na minha candidatura, mas sim um passo essencial para garantir eleições justas. Esperamos que o MEC, a Justiça Federal e o Ministério Público finalmente nos ouçam e ajudem a Ufra a resgatar sua governança democrática".
O vice-presidente da União Nacional dos Estudantes, Alcindo Gatto, também questionou a transparência do processo. “É muito triste, porque não garantiram a democracia necessária para uma eleição justa. Com o travamento do pleito, fica o alerta para que a próxima gestão entenda que a democracia precisa ser garantida na universidade”, afirmou.
Para Ane Carine Santos, estudante do quinto período de Engenharia Ambiental e Energias Renováveis, a suspensão das eleições representa uma vitória para a pauta estudantil. “A gente teve apoio das candidatas e do movimento estudantil para essa suspensão. Precisamos que o Conselho Universitário seja restabelecido de forma igualitária e democrática para termos uma gestão comprometida com nossas pautas e com a educação. É para isso que estamos lutando”, reforçou.
Saída pela tangente
Em comunicado oficial, a Ufra informou que suspendeu o processo eleitoral após intimação judicial. No entanto, esclareceu que a consulta pública, por ter caráter indicativo, seguirá normalmente.
A instituição reafirmou seu compromisso com o cumprimento das decisões judiciais, a transparência institucional e a participação democrática dentro dos limites legais.