Dez anos depois do início das obras, BRT Belém não passa de negócio bilionário e de um erro persistente

Projeto já consumiu R$ 3 bilhões e não é nem a sombra do que a população esperava como transporte público, tanto por ser ultrapassado quanto ineficaz.

Por Olavo Dutra | Colaboradores

19/11/2023 08:00
Dez anos depois do início das obras, BRT Belém não passa de negócio bilionário e de um erro persistente
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 ônibus vem muito cheio de manhã e se você vem para cá (Estação Parque Shopping), para voltar você não consegue pegar. Muito lotado, gente se apertando, um sufoco. É pouco transporte para muita gente, o que acaba sobrecarregando as estações”, conta Silvério Santos, usuário do BRT que reside em Icoaraci. A reclamação é o reflexo ou o recorte exato do espírito crítico de quem utiliza o sistema, eternamente inacabado.


Eternamente inacabado, sistema é um gargalo crônico, atrasa o desenvolvimento da cidade e torna o ir o vir um transtorno intolerável /Fotos: Divulgação-Roma News

 Iniciado em 2012, na gestão do então prefeito Duciomar Costa, o pomposo projeto Bus Rapid Transit, o BRT-Belém, pretendia beneficiar usuários de transporte público da capital paraense de modo integrado, facilitando o ir e vir e dando escoamento ao tráfego de veículos leves, seguindo o bem-sucedido exemplo de Curitiba. O primeiro sistema foi introduzido no Canadá, em 1973, com características diferentes. Mas, o que chamou a atenção no Brasil, foi a Rede Integrada de Transporte, criada por Jaime Lerner, prefeito de Curitiba, em 1974, que incluía o sistema de ônibus expresso.

 

Após mais de uma década de obras, o BRT-Belém não é nem a sombra do modelo implantado na capital paranaense há quase 50 anos. Limita-se a apenas 20 quilômetros de extensão e inclui parcos quatro terminais de integração. Contudo, já consumiu, em valores atualizados, R$ 3 bilhões, com recursos inicialmente do PAC Mobilidade Urbana, da Prefeitura de Belém e, em sua etapa mais recente, também do governo do Estado, no chamado BRT Metropolitano, orçado inicialmente em 176 milhões de dólares, três vezes mais caro que o BRT de Las Vegas.

  

Um gargalo crônico

 

Ao longo de quase uma década e meia, Belém tem testemunhado o “arrastar” de um projeto de transporte público ambicioso, ultrapassado e ineficaz. Desde muito antes do início das obras, com Duciomar Costa, ainda nos anos 1970, estudos técnicos prometiam que o sistema solucionaria os problemas de mobilidade urbana da região. Na prática, contudo, o BRT se tornou o seu oposto, um gargalo crônico que atrasa o desenvolvimento da cidade, consome o tempo de deslocamento e torna o ir o vir um transtorno intolerável, agravado pela péssima qualidade do transporte público, pela anarquia produzida pelas vans clandestinas e pela sofrível manutenção das vias de rolagem.

 

Desilusão generalizada

 

Bilhões de reais já foram gastos, mas a população de Belém está cada vez mais desiludida com a qualidade do serviço, com as obras inacabadas e com a falta de perspectiva de que o sistema venha a funcionar de maneira adequada. Além disso, o impacto negativo do projeto se estende além das questionáveis pistas de concreto e das estruturas inacabadas e estações sem uso, afetando o fluxo de trânsito, a rotina dos cidadãos e até mesmo o valor dos imóveis da região.

 

Pau que nasce torto...

 

Uma das principais falhas do projeto do BRT-Belém é a falta de cronograma para conclusão de cada etapa da obra. Ao longo dos anos, o trajeto do BRT tem sido palco de várias intervenções inacabadas, resultando em um cenário de caos e engarrafamentos crônicos, enquanto as estruturas metálicas feitas ainda na primeira fase da obra enferrujam e estão sucateadas. Essa situação não apenas prejudica o ir e vir dos cidadãos, mas também impacta negativamente a economia local, uma vez que o tráfego lento desestimula investimentos no entorno. Urbanistas e engenheiros de tráfego são unânimes em constatar que, mesmo após tanto tempo e investimento, o BRT segue em obras e ainda não está completamente operacional e as consequências negativas se acumulam.

 

Soluções modernas

 

Desde a virada do século, uma das soluções mais modernas e eficientes para a mobilidade urbana saiu do chão e subiu em estruturas suspensas, com a implementação do VLT - Veículo Leve sobre Trilhos -, que tem se mostrado bem-sucedido em diversas cidades ao redor do mundo, oferecendo um transporte público mais rápido, confiável, sustentável e de baixo impacto sobre o entorno de sua construção. “O VLT é capaz de transportar um maior número de passageiros em relação aos ônibus convencionais, além de ser mais ágil e ter menor impacto ambiental. Cidades como Curitiba, Santos e Rio de Janeiro já adotaram o VLT com sucesso, melhorando significativamente a mobilidade e a qualidade de vida de seus habitantes”, diz Cristina Baddini, consultora e especialista em mobilidade pública.

 

Não há como recuar

 

Mas se existe uma tendência à mudança na matriz, com a introdução do VLT, por que as administrações da capital e do Estado insistem em um projeto oneroso e ineficaz? Simples: porque bilhões de reais estão em jogo e admitir os erros iniciais e recomeçar para consertar os rumos seria oneroso e pouco lucrativo. Enquanto isso, a população sofre com as consequências negativas da infraestrutura inacabada. Esses recursos poderiam ter sido melhor aplicados em formas de transporte alternativos, em soluções mais modernas como o VLT e outras áreas, também prioritárias, como saúde, educação e segurança pública. É necessário que as autoridades responsáveis reavaliem a continuidade desse projeto e considerem alternativas mais sustentáveis e viáveis.

 

Caminho das pedras

 

Uma medida urgente que as autoridades podem tomar, em respeito aos usuários, é uma avaliação completa e transparente do projeto do BRT de Belém. É fundamental identificar as falhas e os problemas que têm impedido sua conclusão e funcionamento adequado. Isso inclui investigar possíveis irregularidades, má gestão dos recursos públicos e falta de planejamento eficiente. A transparência nesse processo é essencial para que a população tenha conhecimento sobre o destino de seu dinheiro e possa cobrar as devidas responsabilidades.

 

Além disso, é preciso considerar a possibilidade de abandonar o projeto original do BRT e investir em alternativas mais modernas e eficazes, como o VLT. Como mencionado anteriormente, o VLT tem se mostrado uma opção de transporte público mais eficiente e sustentável em várias cidades ao redor do mundo. Sua implementação em Belém poderia trazer benefícios significativos, como redução de congestionamentos, melhoria na qualidade do ar e maior comodidade para os passageiros.

 

Ouvir a voz das ruas

 

Por fim, é imperativo que as autoridades ouçam as vozes da população de Belém. Os cidadãos têm o direito de expressar suas preocupações, críticas e sugestões em relação ao projeto do BRT. É necessário promover canais de diálogo abertos e transparentes, envolvendo a comunidade em decisões que afetam diretamente suas vidas. Dessa forma, será possível, para além da política e da politicagem de ano eleitoral, construir soluções mais adequadas e eficazes para garantir a mobilidade urbana de Belém.

 

 

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