ônibus vem muito cheio de manhã e se você vem para cá (Estação Parque Shopping), para voltar você não consegue pegar. Muito lotado, gente se apertando, um sufoco. É pouco transporte para muita gente, o que acaba sobrecarregando as estações”, conta Silvério Santos, usuário do BRT que reside em Icoaraci. A reclamação é o reflexo ou o recorte exato do espírito crítico de quem utiliza o sistema, eternamente inacabado.
Iniciado em 2012, na gestão do então prefeito Duciomar Costa, o pomposo projeto Bus Rapid Transit, o BRT-Belém, pretendia beneficiar usuários de transporte público da capital paraense de modo integrado, facilitando o ir e vir e dando escoamento ao tráfego de veículos leves, seguindo o bem-sucedido exemplo de Curitiba. O primeiro sistema foi introduzido no Canadá, em 1973, com características diferentes. Mas, o que chamou a atenção no Brasil, foi a Rede Integrada de Transporte, criada por Jaime Lerner, prefeito de Curitiba, em 1974, que incluía o sistema de ônibus expresso.
Após mais de uma década de obras, o
BRT-Belém não é nem a sombra do modelo implantado na capital paranaense há
quase 50 anos. Limita-se a apenas 20 quilômetros de extensão e inclui parcos
quatro terminais de integração. Contudo, já consumiu, em valores atualizados,
R$ 3 bilhões, com recursos inicialmente do PAC Mobilidade Urbana, da Prefeitura
de Belém e, em sua etapa mais recente, também do governo do Estado, no chamado
BRT Metropolitano, orçado inicialmente em 176 milhões de dólares, três vezes
mais caro que o BRT de Las Vegas.
Um gargalo crônico
Ao longo de quase uma década e meia,
Belém tem testemunhado o “arrastar” de um projeto de transporte público
ambicioso, ultrapassado e ineficaz. Desde muito antes do início das obras, com
Duciomar Costa, ainda nos anos 1970, estudos técnicos prometiam que o sistema
solucionaria os problemas de mobilidade urbana da região. Na prática, contudo,
o BRT se tornou o seu oposto, um gargalo crônico que atrasa o desenvolvimento
da cidade, consome o tempo de deslocamento e torna o ir o vir um transtorno
intolerável, agravado pela péssima qualidade do transporte público, pela
anarquia produzida pelas vans clandestinas e pela sofrível manutenção das vias
de rolagem.
Desilusão generalizada
Bilhões de reais já foram gastos, mas
a população de Belém está cada vez mais desiludida com a qualidade do serviço,
com as obras inacabadas e com a falta de perspectiva de que o sistema venha a
funcionar de maneira adequada. Além disso, o impacto negativo do projeto se
estende além das questionáveis pistas de concreto e das estruturas inacabadas e
estações sem uso, afetando o fluxo de trânsito, a rotina dos cidadãos e até
mesmo o valor dos imóveis da região.
Pau que nasce torto...
Uma das principais falhas do projeto
do BRT-Belém é a falta de cronograma para conclusão de cada etapa da obra. Ao
longo dos anos, o trajeto do BRT tem sido palco de várias intervenções
inacabadas, resultando em um cenário de caos e engarrafamentos crônicos,
enquanto as estruturas metálicas feitas ainda na primeira fase da obra
enferrujam e estão sucateadas. Essa situação não apenas prejudica o ir e vir
dos cidadãos, mas também impacta negativamente a economia local, uma vez que o
tráfego lento desestimula investimentos no entorno. Urbanistas e engenheiros de
tráfego são unânimes em constatar que, mesmo após tanto tempo e investimento, o
BRT segue em obras e ainda não está completamente operacional e as
consequências negativas se acumulam.
Soluções modernas
Desde a virada do século, uma das
soluções mais modernas e eficientes para a mobilidade urbana saiu do chão e
subiu em estruturas suspensas, com a implementação do VLT - Veículo Leve sobre
Trilhos -, que tem se mostrado bem-sucedido em diversas cidades ao redor do
mundo, oferecendo um transporte público mais rápido, confiável, sustentável e
de baixo impacto sobre o entorno de sua construção. “O VLT é capaz de
transportar um maior número de passageiros em relação aos ônibus convencionais,
além de ser mais ágil e ter menor impacto ambiental. Cidades como Curitiba,
Santos e Rio de Janeiro já adotaram o VLT com sucesso, melhorando
significativamente a mobilidade e a qualidade de vida de seus habitantes”, diz
Cristina Baddini, consultora e especialista em mobilidade pública.
Não há como recuar
Mas se existe uma tendência à mudança
na matriz, com a introdução do VLT, por que as administrações da capital e do
Estado insistem em um projeto oneroso e ineficaz? Simples: porque bilhões de
reais estão em jogo e admitir os erros iniciais e recomeçar para consertar os
rumos seria oneroso e pouco lucrativo. Enquanto isso, a população sofre com as
consequências negativas da infraestrutura inacabada. Esses recursos poderiam
ter sido melhor aplicados em formas de transporte alternativos, em soluções
mais modernas como o VLT e outras áreas, também prioritárias, como saúde,
educação e segurança pública. É necessário que as autoridades responsáveis
reavaliem a continuidade desse projeto e considerem alternativas mais
sustentáveis e viáveis.
Caminho das pedras
Uma medida urgente que as autoridades
podem tomar, em respeito aos usuários, é uma avaliação completa e transparente
do projeto do BRT de Belém. É fundamental identificar as falhas e os problemas
que têm impedido sua conclusão e funcionamento adequado. Isso inclui investigar
possíveis irregularidades, má gestão dos recursos públicos e falta de
planejamento eficiente. A transparência nesse processo é essencial para que a
população tenha conhecimento sobre o destino de seu dinheiro e possa cobrar as
devidas responsabilidades.
Além disso, é preciso considerar a
possibilidade de abandonar o projeto original do BRT e investir em alternativas
mais modernas e eficazes, como o VLT. Como mencionado anteriormente, o VLT tem
se mostrado uma opção de transporte público mais eficiente e sustentável em
várias cidades ao redor do mundo. Sua implementação em Belém poderia trazer
benefícios significativos, como redução de congestionamentos, melhoria na
qualidade do ar e maior comodidade para os passageiros.
Ouvir a voz das ruas
Por fim, é imperativo que as
autoridades ouçam as vozes da população de Belém. Os cidadãos têm o direito de
expressar suas preocupações, críticas e sugestões em relação ao projeto do BRT.
É necessário promover canais de diálogo abertos e transparentes, envolvendo a
comunidade em decisões que afetam diretamente suas vidas. Dessa forma, será
possível, para além da política e da politicagem de ano eleitoral, construir
soluções mais adequadas e eficazes para garantir a mobilidade urbana de Belém.