Entidades desautorizam professora da UFPA a falar em nome de todos os povos indígenas

Professora emérita, Jane Beltrão recorre a uma suposta tradição dos povos originários para avaliar estudantes indígenas, reprova geral e é tachada de “colonizadora e opressora”.

18/02/2025, 08:30
Entidades desautorizam professora da UFPA a falar em nome de todos os povos indígenas
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ma nota de repúdio datada de 14 de janeiro passou a circular no Instagram do Programa de Pós-graduação em Antropologia atribuindo práticas supostamente irregulares à professora Jane Beltrão na condução do curso na UFPA. O documento é assinado pela Associação dos Povos Indígenas Estudantes, Grupo de Discentes do Programa de Pós-graduação em Antropologia, Associação dos Discentes Quilombolas e Coletivo de Mulheres Indígenas As Caruanas.

Práticas supostamente irregulares sustentam a nota que circula no Instagram colocando a professora Jane Beltrão como protagonista/Fotos: Divulgação-Redes Sociais.
A nota denuncia a forma com a professora conduziu a disciplina Métodos e Técnicas de Investigação Antropológica ou Descolonização, História Decolonial e Intelectual Indígena no segundo semestre de 2024. Dá conta de que todos os estudantes indígenas matriculados foram reprovados, bem como outros ligados a grupos historicamente marginalizados. Além disso, relata critérios avaliativos duvidosos e posturas desrespeitosas, tendo partido da professora a desqualificação de manifestações orais e escritas, causando constrangimentos e desestimulando o debate e o engajamento acadêmico.

A nota aponta que a professora parece demonstrar pouco caso ao usar a mesma resposta para a reavaliação das notas de dois alunos diferentes: “Não resta alternativa: o discente não se fez qualificado nem oralmente - como a tradição indígena requer, na condição de bom orador - tão pouco [sic] se ateve à escrita necessária dentro de mestrado”, escreveu Jane para os dois.  

Tradição indígena

Segundo a nota, apesar de ser uma pesquisadora e possa compartilhar suas experiências sobre os povos indígenas, a professora não tem autoridade para falar em nome de todos os povos indígenas e da tradição deles. “Afirmar que a tradição indígena requer boa oralidade e que todos sejam bons oradores é uma essencialização opressora e generalização inadequada, pois tal fala reafirma uma posição colonizadora que determina que grupos indígenas sigam um tipo específico de comportamento - atitude totalmente repudiada pela Antropologia”, destaca.  

A professora Jane Beltrão também desqualificou o trabalho de um estudante estrangeiro da Nigéria, acusando-o, injustamente, de usar Inteligência Artificial para traduzir textos, uma vez que o rapaz não tem o português como idioma primário.  

Ao final, a nota exige que as denúncias sejam devidamente apuradas e que seja adotado um ambiente acadêmico justo, com inclusão e respeito à diversidade.

Balanço das redes

A postagem, feita no Instagram, registrou quase 2 mil reações em dois dias. O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA, ao qual o curso de Antropologia é vinculado, acusou o recebimento da nota, mas disse não ter recebido qualquer denúncia sobre o caso e prometeu adotar as providências cabíveis. 

“Total solidariedade aos estudantes. Esse tipo de prática tem que ser combatida na universidade, em todos os cursos. Não podemos aceitar que em um curso de Ciências Sociais se perpetuem práticas colonizadoras e racistas”, diz um comentário. “A professora Jane se sente com liberdade para fazer isso porque sente que tem poder. A pergunta é: quem dá poder a ela? Quem a protege? As raízes deste tipo de questão são muito mais profundas. Temos uma academia formada por senhores feudais que, do alto do seu conhecimento e arrogância, se sentem no direito de constranger e assediar, enterrando suas almas de educadores - o que deveria ser o cerne de sua presença nesses espaços. Desçam essas pessoas de suas torres de marfim”, aponta outro comentário. 

Trajetória acadêmica

Em outro comentário, lê-se: “Uma coisa importante: há um tempo não muito longo, a UFPA a homenageou como professora emérita da instituição e a Associação Brasileira de Antropologia também fez a mesma coisa em homenagem às contribuições. É necessário cobrar um posicionamento das duas instituições, porque isso é caso de comitê de ética, no mínimo”. O comentário se refere ao fato que, em março de 2024, a professora Jane Beltrão recebeu o título de Professora Emérita da UFPA, pela sua trajetória acadêmica. A concessão do título foi proposta e entregue a ela pelo ex-reitor da UFPA, Emmanuel Tourinho, depois de aprovada por unanimidade pelo Consepe, em sessão do dia 13 de dezembro de 2023.  

Papo Reto

·Sabe-se agora: o ex-prefeito de Belém Edmilson Rodrigues (foto) foi aconselhado a evitar a ocupação indígena na Secretaria de Educação do Estado, onde os manifestantes exigiam a revogação da Lei 10.820/2024 e a exoneração do secretário.

·Aliados políticos do ex-prefeito temiam que a opinião pública pudesse associar o “legítimo movimento à figura impopular” do ex-prefeito.

·Quando o milagre é muito grande até o santo desconfia. Aconteceu na Câmara de Vereadores de Belém, ontem, onde o vereador Mayky Vilaça, do PL, foi escolhido para falar pela oposição na reabertura dos trabalhos legislativos.

·Dizem que foi pura armação da direção porque, no caso, o presidente John Wayne é amigo de longa data de Vilaça, permitindo ao prefeito Igor Normando entrar e sair da sessão ser incomodado.

·Não à toa, as declarações de Vilaça na Tribuna fugiram completamente do script da oposição: falou sobre a política nacional e os embates entre as alas de Bolsonaro e Lula, passando ao largo dos problemas da cidade.

·Fosse uma prova de redação, o vereador levaria um ‘zero’ por fugir completamente do tema, situação que deixou uma certeza na bancada do Psol. A tese de Marinor Brito e Vivi Reis é uma só: cerceamento da oposição.

·O Sintepp fechou questão em torno do secretário de Educação de Belém, Patrick Tranjan, a quem chama de "ajudante de ordens" e reafirma que se encontra em “estado de greve”.

·A lista de razões inclui a reforma administrativa, que extinguiu a Funbosque, e a nova portaria de lotação, que resultou no fechamento de diversos espaços educacionais.


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