Helder se coloca com principal carta no baralho eleitoral em Belém, mas falta combinar com eleitor

Especialistas avaliam movimentos e peças no jogo político na capital e sugerem que não convém considerar Edmilson Rodrigues politicamente “morto”; nem tudo é o que parece ser.

Por Olavo Dutra | Colaboradores

31/03/2024 13:00
Helder se coloca com principal carta no baralho eleitoral em Belém, mas falta combinar com eleitor
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termo pós-verdade se refere a um fenômeno contemporâneo no qual a opinião pública é moldada mais por apelos emocionais e crenças pessoais do que por fatos objetivos. Nesse contexto, a verdade factual muitas vezes perde importância em relação às narrativas que ressoam com as emoções e percepções individuais das pessoas. A disseminação rápida e ampla de informações por meio das redes sociais e outras plataformas têm contribuído para a propagação da pós-verdade na esfera política de maneira vertiginosa.


Governador fez a escolha conveniente: extraiu de pesquisas as informações desejadas, introduziu a peça que queria e descartou as demais, apostando em si mesmo/Fotos: Divulgação.

O cenário pré-eleitoral agrava essa dinâmica e acelera a difusão de interpretações, que substituem a descrição dos fatos. Antes, o jornalismo tinha por mister ater-se a fatos, deixando a opinião para artigos assinados, liberando a chancela dos veículos para assentar histórias cuja interpretação caberia ao leitor ou telespectador. Agora mesmo, veículos como o “O Globo”, inesperadamente interessado na política doméstica de Belém, se aventuram no campo da explícita boca de urna.

 

O alvo do jornalão é Edmilson Rodrigues, prefeito de Belém e candidato à reeleição. Em menos de um mês, enquanto joga pesado contra o prefeito da capital, rasga elogios ao governador do Estado, Helder Barbalho. Como um jornal menor, chega a cunhar conceitos, enfatizando que o nome a ser lançado pelo MDB simbolizaria “renovação”. Nessa linha de demarcação, destacou a pré-candidatura da vereadora Sílvia Letícia, animada pela “menor das minorias” do Psol, como se diz no partido; deu relevo à defecção do professor Luiz Araújo, ex-presidente do Psol e irmão do chefe de gabinete de Edmilson; aventou a hipótese de que o aumento da rejeição de Edmilson poderia ser usado como arma para atingir a candidatura de Guilherme Boulos, favorito na disputa em São Paulo e, por fim, em matéria mais recente, decretou “a neutralidade de Lula” na disputa em Belém, supostamente conquistada por Helder Barbalho, e que deixaria a candidatura do Psol sem a proteção e o amparo do PT.

 

Por trás do palco

 

A narrativa por trás de toda essa “cobertura” é uma só: a candidatura de Edmilson estaria sem apoio social - destacado pela insistente informação sobre a rejeição do alcaide - e sem apoio político - enfatizado pelo suposto racha do Psol e pela aventada “neutralidade” de Lula -, enquanto o governo Helder Barbalho seria o oposto simétrico, com alta aprovação e amplo apoio político.

 

A vinda do presidente francês, Emmanuel Macron, a Belém, e as cabeçadas do cerimonial presidencial, que decretou um corte de toda e qualquer autoridade municipal no evento no qual o governador levou até o filho mais novo, ajudaram a colocar gasolina na fogueira em que arde a rearticulação da esquerda em Belém.

 

O antagonismo que “O Globo” insiste em marcar e a imprensa local repercute, é entre um Edmilson fragilizado e um Helder fortalecido. E isso parece fazer sentido para uma parte dos formadores de opinião política. Mas, um olhar mais centrado nesta dicotomia aponta que ela não se põe em pé. A disputa que acontecerá nas eleições municipais não será entre Edmilson e Helder, mas entre os postulantes à vaga de prefeito da cidade. E Helder não está entre eles.

 

Garantia de proteção

 

Ao se movimentar de maneira horizontal para buscar apoios ao primo escolhido para ocupar a vaga do MDB na disputa, Helder deixa descoberta a fragilidade de seu candidato. Enquanto os demais postulantes se movimentam por sua conta, reunindo com parlamentares e dirigentes partidários, Igor Normando, o escolhido da corte, sequer participa dos enlaces.

 

Para uns, isso é uma forma de não se comprometer em cumprir acordos, na eventualidade de um sucesso. Para outros, é a certeza de que Normando não tem autoridade para atrair sequer seus pares, os deputados estaduais com os quais compartilhou uma legislatura inteira.

 

Outro elemento que se destaca na análise mais detida desse cenário é a ausência de uma análise de conjuntura que dá substância ao impressionismo reinante nos bastidores políticos paraenses.

 

Em tempo

 

Análise de conjuntura é um instrumento metodológico da ciência política, que serve para interpretar os eventos que surgem da ação dos atores em contextos específicos. Ela é produzida com base em um conjunto de informações contextualizadas historicamente. Essas informações consideram aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos. Sua utilidade está em permitir identificar tendências que podem influenciar positivamente - oportunidades - ou negativamente - ameaças - os interesses dos agentes sociais.

 

Segundo Herbert José de Souza, o Betinho, a análise de conjuntura é uma mistura de conhecimento e descoberta. Ela representa uma leitura especial da realidade, sempre relacionada a alguma necessidade ou interesse. Portanto, não existe análise de conjuntura neutra; ela pode ser objetiva, mas está sempre ligada a uma determinada visão dos acontecimentos. A pergunta central que se deve fazer é: em que conjuntura se dará a eleição de Belém de 2024? Quais são os elementos da realidade que serão os indutores centrais do “animus” da população nesse pleito? E que peso terão os agentes políticos exógenos - externos - na decisão do voto do eleitor?

 

Abecê da ciência

 

Em uma conjuntura polarizada, como a que se vive, o centro político desapareceu, diz Fábio Souza, professor de ciência política. “O teorema do eleitor mediano sugere que os eleitores são facilmente conquistados por candidatos mais moderados, posicionados no espectro de centro - de direita ou de esquerda. Isso explicaria as eleições brasileiras anteriores a 2014, mas esse fenômeno desapareceu a partir de 2014 e se aprofundou”. Sergio Santos concorda: “Seria razoável supor que esquerda e direita em Belém possuem uma reserva de votos na casa dos 40%, metade cativo para cada força. Sobrariam 60% dos votos, mas temos um índice de brancos, nulos e ausentes da ordem de 25%. Restariam cerca de 35% dos votos para serem disputados pelo centro. É esse o público que será disputado por Igor Normando, Thiago Araujo, Zeca Pirão, Raimundo Santos e Italo Abati. Quem disser que não é assim, precisa mostrar de onde virão mais votos do que isso para um suposto centro numa eleição polarizada”.

 

Impressões pessoais

 

Durante meses, o governador disse a interlocutores políticos que faria a escolha do candidato do MDB com base em pesquisas. Mas as pesquisas insistiram em dizer o que o governador não queria ouvir: Doxa, em três levantamentos, disse que Zeca Pirão liderava dentre os nomes do MDB. Mentor, em duas rodadas, e Paraná, em uma, disseram que Úrsula Vidal liderava como melhor nome na base governista.

 

Antes de Igor, ainda havia José Priante, Cássio Andrade e Thiago Araújo. O que ninguém sabia era que, quando o governador disse que ouviria as pesquisas, estava dizendo que ouviria apenas as duas linhas que afirmavam que 70% dos eleitores seguiriam uma escolha feita por ele. O ungido seria, então, automaticamente eleito. Mas o eleitor estava mentindo.

 

Voto e transferência

 

Nas últimas eleições municipais testemunhou-se um fenômeno: prefeitos e governadores que desfrutavam de altos índices de aprovação administrativa, mas enfrentaram dificuldades ao tentar transferir esses apoios para seus candidatos nas eleições municipais.

 

Esse paradoxo levanta questionamentos importantes sobre as estratégias de engajamento eleitoral e a conexão entre a gestão pública e a representação política que, ao que tudo indica, não estão sendo levados em conta nas projeções feitas nos corredores da Assembleia Legislativa do Estado, da Câmara de Vereadores, nos escaninhos do TCM ou no intervalo do futebol da AP, o clube.

 

A aprovação administrativa de um governador, por exemplo, reflete a percepção dos cidadãos em relação às políticas implementadas, à infraestrutura desenvolvida e aos serviços prestados em suas comunidades por esse gestor especificamente. É um ato pessoalíssimo, um indicador importante de confiança e satisfação com a liderança. No entanto, essa aprovação é pessoal; nem sempre se traduz em apoio automático aos candidatos apoiados pelo governante durante as eleições. O próprio Helder enfrentou dificuldades em 2020 ao tentar transferir seu prestígio ao outro primo, José Priante.

 

Prioridades do eleitor

 

Uma das razões para essa desconexão pode residir na complexidade das preferências eleitorais dos cidadãos. Embora reconheçam os méritos da administração do governador, os eleitores podem ter diferentes prioridades e expectativas em relação aos candidatos que desejam ver representando-os futuramente. Além disso, o perfil do candidato desempenha um papel significativo nas escolhas eleitorais, muitas vezes superando a influência do apoio do governador. “Igor é jovem demais, sem nenhuma experiência administrativa e excessivamente tutelado. O fato de ser sobrinho de um governador que tem uma dúzia de parentes encastelados na máquina pública também é um fator de desgaste para ambos”, destaca Fábio Souza.

 

Chantagem eleitoral

 

A retórica “se você apoiar o meu candidato vou trabalhar mais pela cidade”, por exemplo, pode soar como chantagem, já que é obrigação institucional do governador trabalhar pela cidade independente de quem a governa. “Se pesar a mão nessa fala, o governador pode se desgastar com um eleitor que é muito mais exigente em suas escolhas políticas”, ressalta o analista político Jacinto Neto.

 

Outro fator a considerar, segundo o analista, é a eficácia das estratégias de campanha. “A simples associação com um governador bem avaliado pode não ser suficiente para garantir a credibilidade de um candidato. Um esforço deliberado para comunicar as realizações da administração é importante, mas não há como ligar essas realizações ao candidato do governador, que não participou delas.

 

Por sua tradição de dialogar com o eleitor da periferia, Edmilson tem mais condições de estabelecer uma conexão emocional com os eleitores, demonstrando como os objetivos do prefeito e os interesses da comunidade se alinham”, finaliza.

 

O tal pós-verdade

 

Vive-se um momento onde a opinião pública é moldada mais por apelos emocionais e crenças pessoais do que por fatos objetivos e essas crenças têm turvado a objetividade com que se deve olhar para o cenário eleitoral que se avizinha. Em que pese o obituário persistente de “O Globo”, Edmilson não está morto. Se move com desenvoltura em Brasília e terá o apoio em bloco de toda a esquerda - PT, PCdoB, Psol, Rede, PDT e PSB - e se ancora em um eleitorado cativo, que responde à cota progressista na polarização dicotômica. Quem o dá por morto pode se surpreender ao vê-lo caminhando entre os vivos. Para chegar ao segundo turno, basta que reconquiste os votos da esquerda, que perdeu em parte, mas tende a reconquistar.

 

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