picteto foi um filósofo grego feito escravo e levado para Roma, onde viveu a maior parte da sua vida. A expressão a ele atribuída - são raras as informações de que deixou algo escrito - descreve um processo pelo qual a pessoa nega ou racionaliza informações que contradizem suas crenças ou interesses, criando uma versão distorcida da realidade para evitar desconforto emocional.
O autoengano entra em cena porque, ao filtrar informações de forma tendenciosa, a pessoa constrói uma realidade que reforça suas convicções, mesmo que essas convicções sejam equivocadas. Isso impede uma análise objetiva dos fatos e dificulta a mudança de opinião, tornando o indivíduo mais resistente a novas perspectivas.
Governantes que tendem a seguir apenas opiniões que confirmam suas convicções, ignorando aqueles que apresentam visões opostas ou dúvidas, tendem a se apegar a uma das panaceias modernas: as pesquisas de opinião, que, como diz adágio antigo, são a arte de torturar os números até que eles digam aquilo que se quer ouvir.
Folha em branco
Os ‘especialistas’ de plantão se apegam a essas pesquisas e seus gráficos coloridos como se estivessem consultando o Tao Te Ching, o caminho da sabedoria cuja escrita é atribuída a Lao Tse. Eles falam em “preditores” e exibem relatórios de “grupos focais” como profetas descrevem o futuro. Na verdade, estão empenhados em dar vazão ao viés de confirmação de quem está pagando a conta - e a conta é sempre alta.
Um exemplo foi a eleição da capital paraense em 2024, quando o governador do Estado desempenhou o papel poucas vezes visto: ele lançou um candidato sem histórico majoritário, sem imagem consolidada, sem carisma, sem intenção de votos, sem perfil de gestor e sem propostas objetivas que tinha como único atributo ser anódino - uma folha em branco onde o eleitor poderia escrever o que quisesse. Para completar, colocou ao seu lado um vice exatamente idêntico ao candidato, incapaz de fazer sombra ou disputar protagonismo com ele. Era o vice “soma zero”, porque ninguém precisava somar nada. A totalidade da equação atendia pelo nome de Helder Barbalho.
E Helder apresentou esse papel em branco ao eleitor, que nele desenhou a imagem e semelhança do próprio governador. O eleitor não votou em Igor Normando, mas sim em Helder Barbalho. Um dado alarmante foi apresentado por um dos institutos de pesquisa 15 dias antes do pleito: 62% dos eleitores não conseguia citar espontaneamente nenhum atributo do candidato que logo viria a se tornar prefeito. A razão do voto era uma só: “é o candidato do Helder”. Era tudo e era o suficiente.
O peso da máquina, a campanha milionária, a propaganda abusiva, o Tik-Tok recorrente e a pressão inaudita sobre os aliados fizeram o restante do trabalho. Helder venceu. O eleitor votou no seu número, no seu partido, no seu candidato. O eleitor votou nele.
Filipenses 4: 13
Quem não se envaideceria com isso? Helder não é a exceção. A vaidade de ter conseguido eleger um candidato sem atributos o convenceu de que pode fazer isso de modo reiterado. “Se fez em Belém, fará no Pará”, dizem os mais chegados. Assim, o seu entorno reproduz como um mantra o versículo bíblico de Filipenses 4:13, na firme convicção de que 2026 será apenas um replay de 2024, onde, mais uma vez, “tudo posso naquele que me fortalece”.
Essa circunstância prova que não importa quanto poder ou dinheiro você tenha. O autoengano espreita qualquer um. Do apostador no jogo do bicho ao negacionista da vacina; do viciado no “Tigrinho” ao governador do Pará. As eleições de 2024 plantaram sementes férteis de autoengano no núcleo duro que cerca o chefe do Executivo. E elas estão vicejando, enquanto os dias caminham para a próxima disputa eleitoral.
Fique claro desde já aos desavisados de plantão, aqueles que costumam atribuir chifres à cabeça do cavalo: a análise destes fatos não se dá em oposição ao governador ou a Helder Barbalho, ou pela negação do poder real que ele acumula. Nunca antes na história do Pará um governador teve tanto poder institucional e uma aprovação consolidada tão longeva. E tem méritos que produziram isso. Mas essa mescla de elementos será o suficiente para repetir a alquimia de 2024 - transformar metal em ouro? Há divergências.
Como dizer a alguém que pensa que sabe, que existe a possibilidade de ele não saber, como insinua Epicteto?
Prazo de validade
O cheque em branco que o eleitor deu a Igor Normando, com endosso de Helder, tem data para vencer: 21 de novembro de 2025, o último dia da COP30. Até lá, um certo torpor em torno de obras, engarrafamentos, acontecimentos e escândalos de superfaturamento ocuparão o imaginário. Mas, no dia 26 de novembro, em que pesem as obras físicas que o Estado e o governo federal levaram a cabo, Belém amanhecerá igual a si mesma, com os mesmos problemas crônicos a resolver e para os quais o prefeito não dará solução. Não por falta de vontade de resolver, mas pela dependência imagética de Helder e pela óbvia inaptidão para o cargo que ocupa. Sua equipe inexperiente, sem projeto claro, sem plano de trabalho e sem eixo dirigente logo estará também sem Helder, que terá, pela primeira vez desde 2018, um adversário contra o qual pelejar. E desta vez, não há viés de confirmação que possa poupar o governador - e seu estreito círculo do poder - do espanto de um breve encontro com a realidade.
Vive-se em uma cultura obcecada pela produtividade, pela ideia de aprimoramento constante e pela ilusão de que, um dia, finalmente, “teremos tudo sob controle”. A busca incessante pela perfeição, no entanto, não apenas gera ansiedade e esgotamento, mas também impede o viver plenamente.
Moral da história
No livro recente “Meditações para mortais”, o autor inglês Oliver Burkeman propõe que a vida começa a ser melhor ante a percepção de que nunca se conseguirá controlar tudo.
Papo Reto
•Efeito colateral. O professor Álvaro do Espírito Santo (foto) está usando bengala. Ele foi vítima de um dos atropelamentos mais corriqueiros nas ruas de Belém, atingido por uma moto que trafegava na contramão.
•O prefeito cassado de Tucuruí Alexandre Siqueira sinaliza carência extrema para tentar eleger a mulher dele, deputada federal Andrea Siqueira, à prefeitura da cidade.
•Não é falta de dinheiro, mas de apoio político, inclusive dos dois suplentes que podem assumir a vaga de Andreia na Câmara, Wagne Machado, prefeito de Eldorado dos Carajás e Paulo Henrique Gomes, o PH, ex-prefeito de Salinópolis.
•Se ajudar, a coluna informa que ontem, em visita ao sul do Pará, o governador Helder Barbalho deu uma esticada e visitou Wagne Machado na residência dele, em Eldorado.
•Nos arraiais políticos, o que se diz é que Wagne e PH não acendem vela para a eleição de Andrea diante da ex-deputada estadual Eliane Lima, por isso Alexandre quer dividir a conta.
•Wagne e PH fazem as contas: vão gastar dinheiro e energia em Tucuruí para assumir mandato meia boca no Congresso Nacional, sem contar no que torraram e não se elegeram.
•Torcedor é bicho danado: diretores e torcedores do Remo ainda reclamam do pênalti marcado em favor do Paysandu no último jogo, enquanto o próprio Pavani divulgou até áudio se desculpando pela falta.
•O presidente da Cohab, Manoel Pioneiro, está tirando os empregados da Fábrica Esperança, o Polo Produtivo, destinado à ressocialização dos egressos do Sistema Penitenciário do Estado.
•A parentada do deputado estadual Wanderlan Quaresma continua encastelada na companhia e cada vez aumenta mais.
•O prazo para regularizar situação eleitoral termina no próximo dia 19.