Cinco mortes, nenhuma mudança: a triste sina de sofrimento dos indígenas da etnia Warao em Belém

Venezuelanos seguem morrendo em abrigos precários sob os olhos da prefeitura, sem atendimento médico, estrutura digna ou respostas.

03/05/2025, 08:00
Cinco mortes, nenhuma mudança: a triste sina de sofrimento dos indígenas da etnia Warao em Belém
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elém acumula, desde 2022 - pelo menos e até onde se sabe -, cinco mortes de indígenas venezuelanos da etnia Warao, abrigados em espaços que deveriam ser de acolhimento humanitário. A mais recente ocorreu no dia 1º de maio.

Líder Valentin Perez, 73, é o quinto imigrante na lista de mortos em Belém desde 2022, vítimas da precariedade dos abrigos e da ausência de atendimento médico/Fotos: Arquivo.
Valentim Peres, 73 anos, importante liderança Warao, morreu dentro do Abrigo Municipal Saiind Warao, gerido pela Fundação Papa João XXIII, a Funpapa. O espaço é alvo de denúncias constantes por sua estrutura precária e ausência de atendimento médico.

As circunstâncias da morte de Valentim também são indicadoras da realidade dos Warao. Ele morreu apenas um dia após servidores da Funpapa entrarem em paralisação por falta de condições básicas de trabalho. Pode não significar muito, diante do fato denunciado por diversas vezes pela Coluna Olavo Dutra sobre a vista grossa da Funpapa e demais órgãos, alguns ditos humanitários, na sobreposição de colapsos da assistência social a esses imigrantes, reforçando um cenário de abandono que tem sido a regra no que deveria ser o acolhimento aos indígenas.

Outra morte para a conta

Não se trata de um caso isolado. Neste caso, é necessário ser repetitivo. Em fevereiro de 2022, uma mulher indígena da mesma etnia morreu em uma casa improvisada na travessa Campos Sales, no Centro da capital, onde vivia com outras dezenas de imigrantes.

Em outubro daquele mesmo ano, uma criança Warao faleceu no mesmo local, com o caixão sendo retirado às escondidas no meio da noite, descoberto apenas por vídeos que as câmeras da vizinhança conseguiram gravar.

Em 7 de fevereiro do ano passado também morreu um indígena adulto com quadro agravado de tosse. À época, os companheiros de moradia informaram que a vítima já havia sido levada a uma unidade de saúde e o diagnóstico era de tuberculose, que o levou ao óbito e colocou em risco a saúde dos demais ocupantes da casa, que costumam variar entre 40 e 70 pessoas amontoadas em condições de extrema insalubridade.

Um mês depois, em 11 de março de 2024, as emissoras de TV aberta da capital adentraram a noite denunciando mais uma morte de criança indígena na mesma casa - um bebê de apenas três meses da etnia Warao. O que chocou mais na morte de Taís Maria Morena Zapata foi que o óbito ocorreu pela manhã, mas o corpo do bebê só foi retirado à noite pela viatura do Instituto Médico Legal, vinculado à Polícia Cientifica do Pará, dentro do que parecia ser um saco plástico preto.

As informações deram conta de que a criança ficou dias doente antes de morrer na precária da travessa Campos Sales, onde não recebeu nenhum atendimento médico.

Até quando, afinal?

São cinco vidas perdidas em pouco mais de dois anos, sob a responsabilidade do município. Nenhuma dessas mortes resultou em mudanças estruturais. O que se viu foram medidas paliativas, como a transferência de algumas famílias para novos locais igualmente improvisados e sem garantia de atendimento médico, psicológico ou assistencial.

A gestão do prefeito Edmilson Rodrigues, do Psol, que carregava no discurso a bandeira dos direitos humanos e da justiça social, seguiu falhando até o fim. Na atual, de Igor Normando, iniciada há cinco meses, nem se fala em atendimento das condições dos imigrantes, que hoje acordam com a notícia da paralisação da Funpapa.

Contradição gritante

É uma contradição gritante para a cidade que será sede da COP30, onde se espera que Belém represente o Brasil nas pautas ambientais, indígenas e de direitos humanos. Não há legitimidade nesse protagonismo internacional enquanto crianças e anciãos indígenas seguem morrendo dentro dos limites do município, por omissão direta do poder público, que envolve ainda uma série de organizações que até já visitaram a casa, como a representação em Belém do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a Acnur.

O organismo é nada menos que a agência internacional da ONU específica para cuidar de refugiados, com a missão de protegê-los em todo o mundo. Mas, definitivamente, Belém não é para amadores.

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