Capanema conta novos ricos criados às custas de dor e mortes da pandemia na Câmara de Vereadores

Investigação da Polícia Civil aponta farra com dinheiro público e indicia presidente e ex-presidente por peculato, todos endinheirados durante a epidemia de covid-19.

18/05/2024 11:00
Capanema conta novos ricos criados às custas de dor e mortes da pandemia na Câmara de Vereadores
C


onta a história que uma das estações da Estrada de Ferro Belém-Bragança foi edificada no Distrito de Tauari, na cidade de Capanema, nordeste paraense. O prédio histórico da estação ferroviária está até bem conservado, mas o que anda “fora dos trilhos” pela região dos Caetés são os atos da Câmara de Vereadores de Capanema.


Presidente e ex-presidente, Pedro Paulo Leão e Rubens Ancelmo foram indiciados por crime de peculato/Fotos: Divulgação.

São, por assim dizer, tão fora dos trilhos que entraram na mira das investigações da Polícia Civil, iniciadas em 2023, após uma série de denúncias que colocaram à prova a gestão do presidente da Casa, o vereador Pedro Paulo Leão da Silva, do DEM. Paulo e o ex-vereador Rubens Oliveira Alcelmo, ex-presidente, foram indiciados por crime de peculato, que tem pena prevista de dois a 12 anos de reclusão.


Contra eles pesam fatos relacionados a desvio de recurso, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, situação que colocou como investigados também outros vereadores, da atual e da legislatura passada. Oficialmente, Pedro Paulo Leão e Rubens Oliveira, na condição de ordenadores, foram indiciados em janeiro deste ano. No caso do ex-vereador Rubens, que presidiu a Câmara entre os anos de 2015 a 2018, as investigações demonstraram materialidade e indícios de crime diante do uso indiscriminado de combustível e demais irregularidades administrativas relacionadas.


Anatomia da corrupção

 

O quebra-cabeça de corrupção começou a ser montado pela Divisão de Repressão à Corrupção e ao Desvio de Recursos Públicos da PC em 2023. Os indícios demonstram uma real engenharia de irregularidades com cheiro de peculato e demais crimes contra a administração pública. Um dos rastros sob suspeita de corrupção foi o gasto de mais de R$ 1 milhão em combustível entre 2019 e 2022, mesmo a Câmara não possuindo demanda necessária e nem frota veicular para abastecer, senão uma motocicleta. E pior: sem poder justificar o consumo de combustível, em 2020, em plena pandemia da covid-19, ao valor de R$ 359 mil, quando inexistiu atividade legislativa. Em 2021, incríveis R$ 390 mil foram gastos durante a rotina parcial, ainda reflexo da pandemia.


Uma frota fantasma

 

Essas e outras informações fazem parte de duas notícias-crime formuladas em denúncia pela Associação de Mototaxistas e Motoqueiros de Capanema (Asmmotix), e apresentada à Polícia Civil em fevereiro de 2023, reforçada com informações coletadas do Portal de Transparência do próprio Legislativo municipal. Na denúncia, o Auto Posto Capanema se tornou fornecedor da Câmara, em processo supostamente fraudulento, que originou uma “farra” de abastecimento de veículos de vereadores, mostrando o uso do bem público para fins particulares. Além disso, foi denunciada ainda a falta de prestação de contas de serviços prestados à Câmara por diversas empresas, desde o fornecimento de água, lavagem de cadeiras, de transporte, a obras prediais.


Para mim, para o sultão

 

A escalada do patrimônio e de “laranjas” aponta incompatibilidade do patrimônio do chefe do Legislativo, que cumpre o terceiro mandato. Conforme as informações declaradas à Justiça Eleitoral em 2012, Pedro Paulo Leão, que atualmente mantém um salário bruto de vereador de R$ 8 mil, possuía um automóvel Fiat Siena com valor estimado de R$ 35 mil. Já em 2016, além do Siena, declarou outro veículo e um terreno, que elevaram o patrimônio do vereador a R$ 180 mil. Em 2020, o salto foi para R$ 278 mil: uma casa de 240m², avaliada por ele no valor de R$ 200 mil e um único veículo, avaliado em R$ 78 mil.


A Polícia avançou e constatou a inexistência de qualquer veículo no nome do parlamentar, que tem 40 anos de idade e é natural de Belém. Todavia, na notícia-crime, os denunciantes afirmaram que o vereador utiliza um veículo Corolla Cross GRS, cor vermelha, no valor de R$ 169 mil, ano 22-23, que não consta em seu nome, expondo a figura de um possível “laranja” - Francisco Arão de Oliveira, 38, morador do bairro Campinho, em Capanema, ouvido no inquérito.

 

Pomar de “laranjas”


No inquérito surge o nome da companheira do vereador Pedro Paulo Leão, a servidora da Secretaria de Finanças de Capanema, Dayane Vilela, 33, que, apesar de receber um salário de R$ 2.800, possui um veículo avaliado em 124 mil, um VW Nivus, 21-22. O curioso é que o único veículo registrado no nome de Dayane é um Fiat 500, ano 11-12, avaliado em R$ 40 mil. O automóvel de uso da esposa de Pedro Paulo, o VW Nivus, foi registrado em nome de Rodrigo Lima do Nascimento, 35, levando mais uma suspeita de ocultação de bem e lavagem de dinheiro. Assim como Francisco, Rodrigo pode ser outro “laranja” em ação, uma vez que as investigações constataram 21 veículos em seu nome.

 

Transações erradas


Na devassa feita nos processos de pagamentos entre 2019 e 2022 dos valores relativos aos contratos de aquisição de combustíveis de três postos, seja por meio de licitações ou contratação, ficou demonstrado o desvio de verba pública. A Câmara registrava o pagamento em suas contas. Todavia, em 2019, o Posto Guajará, apesar de manter o contrato com o Poder Legislativo, não viu a cor dos R$ 65.800 mil referentes ao fornecimento de 20 mil litros de óleo diesel, segundo a empresa, e certificado durante o cruzamento com informações do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).


O Posto Pacheco foi utilizado para justificar o pagamento de R$ 402,5 mil por 95 mil litros de gasolina comum e aditivada, valor relativo ao pregão de 2018 e, em 2019 e 2020, um total de R$ 293,9 mil. Dos 15 pagamentos feitos em 2019, que totalizaram R$ 240 mil, oito foram feitos em processo de dispensa de licitação, totalizando R$ 145,8 mil. E ao analisar fundo as notas fiscais, a investigação comprovou que foi fornecido apenas gasolina comum, mas em nenhum comprovante de valores abaixo de R$ 3 mil foi registrado em notas fiscais e apresentado à autoridade policial pela empresa.

Mais matérias OLAVO DUTRA