enúncia envolvendo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, levou à abertura de um pedido de investigação e deitou um véu de suspeita sobre as relações de Organizações Não-Governamentais e estruturas governamentais, nesse caso, o Ministério do Meio Ambiente. De acordo com a denúncia, o Ipam teria recebido R$ 35 milhões do Fundo Amazônia em 2022 e utilizado 80% desse valor, ou seja, R$ 24 milhões, em consultorias e viagens.

A revelação foi feita durante uma reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a atuação de Organizações Não-Governamentais na Amazônia, conhecida como "CPI das Ongs".
Durante o encontro, o
diretor-executivo do Ipam, André Guimarães, foi questionado sobre o envolvimento
da ministra Marina Silva com a organização. O senador Jaime Bagattoli, do
PL-RO, perguntou sobre a formação do conselho do instituto, ao que Guimarães
respondeu que é composto por pessoas com conhecimento na área, principalmente
acadêmicos e cientistas. O presidente da Comissão, senador Plínio Valério, do
PSDB-AM, então questionou se a ministra fazia parte do conselho, e Guimarães
explicou que ela não tem um cargo oficial, mas é homenageada como conselheira
honorária. Essa relação foi criticada pelos parlamentares, sendo chamada de
"promíscua" pelo relator da CPI, senador Márcio Bittar, do União-AC.
Recursos milionários
A CPI levantou documentos que mostram
que 80% das verbas públicas recebidas pelo Ipam foram utilizadas em viagens
nacionais e internacionais. Os principais doadores do Fundo Amazônia são a
Alemanha e a Noruega. Guimarães rebateu as críticas, afirmando que um projeto
de assentamentos sustentáveis na Amazônia, que recebeu R$ 25 milhões do Fundo
Amazônia, beneficiou mais de 2 mil famílias, aumentando sua renda em 135%. Além
disso, segundo ele, o projeto reduziu o desmatamento na região em 70%. Para
Guimarães, essa iniciativa serve como modelo para os financiamentos que a Ong
continua recebendo do Fundo Amazônia.
A participação da ministra Marina
Silva no Ipam também foi questionada durante a reunião da CPI. A comissão,
instalada em junho, tem como objetivo investigar a liberação de recursos
públicos para Ongs e Oscips pelo governo federal, bem como a utilização desses
recursos pelas entidades. Os parlamentares levantaram dúvidas sobre a atuação
da ministra junto ao órgão, já que ela também faz parte do Comitê Orientador do
Fundo Amazônia, de acordo com a CPI.
Relações promíscuas
O relator Marcio Bittar questionou se
não seria promíscuo uma pessoa que ocupou um ministério por mais de sete anos
ser madrinha de uma Ong que recebe verbas públicas. Guimarães defendeu a
ministra, afirmando que ela deixou o governo federal em 2009, enquanto o Fundo
Amazônia foi iniciado em 2013.
Além disso, foi revelado que a
Secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni,
indicada por Marina Silva, também compôs o conselho deliberativo do Ipam, que
recebeu recursos públicos milionários. Em 2012, a Ong assinou um contrato com o
BNDES no valor de R$ 23,4 milhões, supostamente para apoiar famílias assentadas
pelo Incra comprometidas com a redução do desmatamento no oeste do Pará. Essa
revelação levanta mais questionamentos sobre a atuação do Ipam e suas relações
com a ministra do Meio Ambiente.
Diante dessas denúncias, o deputado
federal Nikolas Ferreira, do PL-MG, protocolou um pedido de abertura de investigação
contra a ministra Marina Silva por suposto mau uso de verbas públicas. A CPI
das Ongs continua seu trabalho de fiscalização das atividades das organizações
na Amazônia e a utilização dos recursos públicos destinados a elas.
Rede de intrigas
Esse não é o primeiro imbróglio
envolvendo Marina Silva em 2023. A ambientalista foi eleita deputada federal
por São Paulo com uma votação aquém da esperada. Seu grupo estimava uma votação
acima de 500 mil votos - “entre 500 e 600 mil” - e obteve pouco mais de 230 mil
votos, sendo beneficiada pela votação de Guilherme Boulos, do Psol, que
integrava com ela a mesma federação, Psol-Rede.
O curioso é que Marina Silva foi
contra a formação da federação com o Psol e lutou abertamente em seu partido
por um arranjo com o PDT de Ciro Gomes, a quem apoiou no primeiro turno, mesmo
que a deliberação de seu partido fosse de apoio a Lula desde o primeiro turno.
A disputa em torno das candidaturas de Lula e Ciro - de quem Marina era cotada
para ser vice - e da formação da federação com o Psol, geraram fortes
antagonismos entre Marina e o senador Randolfe Rodrigues, da Rede-AP, que
abraçou a candidatura do ex-presidente desde a primeira hora. A cisma se
aprofundou quando Rodrigues abriu mão do Ministério das Comunicações, oferecido
a ele por Lula, para pavimentar o caminho de Marina, então sua companheira de
partido, em direção ao Ministério do Meio Ambiente. Após assumir o cargo, no
entanto, Marina recusou-se a abrir espaço para que Rodrigues e seus
companheiros de partido compusessem o staff do ministério, o
que passou a ser decidido exclusivamente pelo grupo paulistano da ministra.
Esse e outros fatores levaram à
ruptura entre Marina e a ex-senadora Heloísa Helena, que derrotou Marina no
congresso partidário e assumiu a posição de principal liderança e porta-voz da
Rede Sustentabilidade.
Marina “do atraso”
"Neste momento, saio daqui
sangrando". A frase é de Marina Silva e foi pronunciada após o resultado
da disputa no congresso da Rede Sustentabilidade, que sagrou como vencedora a
chapa 'Rede Vive Pela Base', encabeçada pela ex-senadora Heloísa Helena e pelo
engenheiro ambiental Wesley Diógenes, apoiados pelo senador e líder do governo
no Congresso, Randolfe Rodrigues.
Durante os debates, adversários
chegaram a afirmar que Marina ofereceu cargos em troca do apoio à sua chapa e
que a ministra seria "amiga de banqueiros", devido a suas relações
próximas com Neca Setúbal, herdeira do banco Itaú. Mesmo ausente dos debates,
Randolfe comemorou o resultado.
A crise entre ele e Marina escalou
quando a ministra apoiou o parecer do Ibama que impedia a Petrobras de explorar
petróleo no litoral norte da Amazônia, parte oceânica distante centenas de
quilômetros do Estado do Amapá, alegando questões técnicas. Senador eleito pelo
Amapá, Randolfe passou a ser atacado por adversários políticos locais, sob
alegação de que seu partido estava “impedindo o crescimento econômico e a
geração de empregos” que os royalties do petróleo produziriam.
Em razão disso, mesmo sabendo que
essa não era uma decisão da Rede e sim de Marina e seu staff,
Randolfe desfiliou-se do partido, afirmando em nota seu “compromisso com o meio
ambiente, mas também com a garantia de trabalho e renda para a população de seu
Estado”. Amigo de Heloisa Helena, Randolfe foi um dos principais apoiadores de
sua permanência na liderança da legenda.
Além do horizonte
Para o senador, o potencial econômico
da exploração da região - que já está sendo feito por outros países como as
Guianas - pode inclusive financiar a transição energética tão necessária. “O
debate sobre o potencial petrolífero da Margem Equatorial envolve reservas de
30 bilhões de barris e quase US$ 3 bi em investimentos. A Amazônia, pobre e com
um povo desassistido, não tem como abrir mão desse capital para financiar o
desenvolvimento econômico e a transição energética”.
A chamada Margem Equatorial é uma
região situada no litoral entre os Estados do Amapá e Rio Grande do Norte.
Próxima à Linha do Equador, a área se estende por mais de 2.200 km ao longo da
costa. A Petrobras contesta Marina e sua equipe. Afirma que atendeu a todos os
requisitos do Ibama no processo de licenciamento; que a área em que pretende
perfurar o poço está a 175 km da costa do Amapá e a mais de 500 km da foz do
Rio Amazonas.
Marina, por sua vez, veio a público
novamente rebater a Petrobras, afirmando que “não pode haver concessões para
questões técnicas”. A polêmica chegou até a Advocacia-Geral da União, que
firmou parecer de que é possível conceder licenciamento mesmo sem avaliação
preliminar da área concedida - contestando tecnicamente Mariana e o Ibama, que
negaram a licença em maio e seguem fincando o pé na mesma posição.