Igor Normando faz sua própria "revolução" com os bichos, mas deixa o homem "de escanteio"

Prefeito de Belém se derrama pela causa, mas não esboça reação em defesa dos desassistidos de programas sociais, dos alunos da Funbosque e dos cobradores de ônibus.

Por Olavo Dutra | Com Dedé Mesquita

29/04/2025, 11:30

Causa animal mobiliza prefeito Igor Normando com proposta de dobrar valor das multas contra maus tratos, sem equilibrar a balança com desvalidos/Fotos: Divulgação.


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o início da década de 1970, o cantor Waldick Soriano, dono de uma voz marcante e melodiosa, cantava “Eu não sou cachorro, não”, um dos maiores sucessos do cancioneiro brasileiro. Doze anos depois, início da década de 1980, Eduardo Dusek veio com o clássico “Rock da cachorra”, em que cantava “Troque seu cachorro por uma criança pobre”.  

“Sucessos caninos” à parte, por assim dizer, Belém tem se notabilizado, há meses, pelo que os observadores da cena avaliam como uma “inversão de valores”, pela qual certas autoridades constituídas, no caso, o prefeito Igor Normando, dispensam irrefreável esforço em favor da causa animal. E fique claro desde já: nada, absolutamente nada contra os pets, que certamente merecem cuidados e respeito, espécie de bônus pela companhia que emprestam em um mundo carregado de desamor, mas desprovido de favor.  

Nesse caso, alguns decretos apresentados às casas legislativas em defesa dos animais parecem representar, proporcionalmente, um ataque - senão um deboche - ao homem. 

O prefeito Igor Normando saiu-se com mais um desses decretos, levado à Câmara de Vereadores recentemente. Lá mesmo, uma oposição residual tem se debatido com questões, digamos, “mais humanas”, quase humanitárias, patrocinadas pela nova gestão da cidade, entre elas a extinção de programas sociais, como o “Bora Belém”, ou o projeto que, até prova em contrário, deve mandar para a rua da amargura algo em torno de 3 mil cobradores de ônibus até o final do ano. Nessa fronteira cruel, o peso da balança pende a favor dos animais. 

Seria leviano dizer que a iniciativa do prefeito, que tem a defesa dos pets na sua plataforma política desde que era deputado estadual, aponta para uma preferência indisfarçável pelos animais em relação aos trabalhadores e pessoas menos favorecidas, aquelas consideradas em situação de vulnerabilidade. Todos querem ter um animalzinho de estimação, mas poucos se atrevem neste ambiente em que comer dignamente e cuidar da saúde é uma roleta russa: a comida está pela hora da morte, remédios custam os olhos da cara e a saúde pública é um serviço lastimável. Por isso pobre não tem pet; tem vira-lata, tão fiel quanto. 

 Pessoas à parte

Desde que começou, a gestão Igor Normando já fechou o Restaurante Popular, onde pessoas menos favorecidas podiam almoçar por um preço acessível; extinguiu a Funbosque, em Outeiro, deixando no passado um enorme projeto de formação de pessoas; e atropelou cobradores de ônibus, estes, impedidos até de protestar pela suposta perda de emprego por obra e graça dos donos de ônibus, beneficiados pela Justiça com uma decisão draconiana: a desobediência vai custar R$ 100 mil aos cofres do Sindicato dos Rodoviários. Para eles, os trabalhadores, resta ver a caravana passar.

Verdade seja dita

Em tempo:  o projeto que extinguiu o programa “Bora Belém” é de autoria do vereador Zezinho Lima, do PL e não foi nem vetado, nem aprovado pelo prefeito Igor Normando, expirado o prazo legal. O custo da extinção, em tese, foi para a conta da Câmara, que sancionou a lei, conforme a proposta. Então, a rigor, o prefeito lavou as mãos, o que não o livrou das pedras atiradas pelo seu antecessor, Edmilson Rodrigues, “pai” da ideia. Da mesma forma, não se tem conhecimento por parte do prefeito de qualquer movimento voltado a reconsiderar o caso dos cobradores ameaçados de sair de cena com a introdução dos chamados “Geladões” no transporte público da cidade. Portanto, seja feito o que reza o projeto infame.

Projeto 'animau'

Entre as coincidências que, não fossem reais, seriam pura ficção, na sexta-feira, 25, o prefeito Igor Normando, enviou à Câmara um projeto de lei que endurece a punição contra pessoas que maltratam animais. Dentre as medidas, consta o aumento da multa para R$ 4 mil - o dobro do valor atual, aproximadamente - e a obrigatoriedade de um curso de educação ambiental para reincidentes. Louvável, só que não será na Escola Bosque, já extinta.  

“O projeto de lei garante que o recurso vindo dessas multas possa ser investido em educação ambiental, proteção animal, feiras de adoção e compra de insumos para proteção dos animais”, explicou o alcaide.  

Segundo o prefeito, as novas medidas previstas vão se somar ao que já está estabelecido no Código Penal Brasileiro a respeito do tema. A medida de proteção aos animais foi tomada depois de um incidente no bairro do Curió-Utinga, no início de abril, quando um homem jogou água quente em um cachorro.  

A ironia vem exatamente do fato de que, no mesmo dia em que o prefeito deixa de pagar valores entre R$ 250 e R$ 500 a pessoas de baixa renda que eram atendidas pelo “Bora Belém”, ensaia dar mais garantia de cuidados aos cães. A iniciativa despertou o ‘faro fino’ da vereadora Vivi Reais, da oposição residual no Psol, no dia da votação da extinção do programa, que acusou: “Igor Normando não gosta de pobres!”.    

Choro de pitangas 

Por seu turno, ao saber que a extinção do “Bora Belém” fora publicada no Diário Oficial de Belém com a promulgação da Lei 10.146/ 2025, o ex-prefeito Edmílson Rodrigues, também do Psol, foi chorar suas pitangas nas redes sociais. Segundo ele, “18 mil famílias atendidas no programa, o correspondente a 80 mil pessoas”, foram devolvidas à situação de fome, uma vez que se encontram na faixa de extrema vulnerabilidade social. “Igor Normando, a culpa é tua!”, explodiu o ex, que, convenhamos, não fez o dever de casa capaz de lhe garantir a reeleição.

“O prefeito Igor Normando, que poderia ter vetado o projeto, não o fez. Quando o prefeito não toma decisão diante de um projeto aprovado pelos vereadores, ou seja, ele não veta e nem sanciona, o projeto retorna para a Câmara, onde pode ser promulgado de forma tácita, como aconteceu”, tentou ensinar ele ao vigário, já que não fez boas relações com o bispo. 

“Esse crime contra a dignidade e a sobrevivência humana na cidade de Belém foi cometido com o aval do prefeito e do governador Helder Barbalho. Zezinho Lima jamais teria conseguido cometer essa maldade sozinho”, se apieda Ed.  

 Nem quer saber

Quem assinou a revogação do “Bora Belém”, aliás, foi o vereador Zezinho Lima, autor do projeto de revogação, na condição de “presidente em exercício” do Legislativo.  E continua afirmando que o “Bora Belém” era “um programa completamente eleitoreiro” e que, se depender dele, todos os projetos “da esquerda” vão ser extintos. Em um vídeo publicado em suas redes sociais recentemente, o parlamentar adverte: “Acabou a mamata da esquerda”.  

Segundo o texto da nova lei, os recursos destinados ao pagamento do “Bora Belém” devem retornar ao Fundo Municipal de Assistência Social e a outros fundos públicos. 

Alteração de lei 

Enquanto o prefeito Igor Normando faz a “sua parte” na defesa dos animais em Belém, o tio dele, senador Jader Barbalho, do MDB, em raro movimento, apresentou um projeto para alterar a Lei de Crimes Ambientais, permitindo que parte das multas ambientais seja usada no acolhimento e cuidado de animais abandonados.  “É preciso que o Congresso Nacional enxergue essa realidade cruel que vemos nas ruas”, defende o senador. Segundo nota publicada em uma coluna da cidade, “mais de 25% dos cães e gatos no Brasil estão abandonados ou perdidos. Protetores de animais, sobrecarregados, lutam para acolhê-los, enquanto o apoio público é insuficiente”. 

 Leitura recomendada

O escritor inglês George Orwell é autor da sátira “A revolução dos bichos”, publicada nos estertores da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, em que mostra uma bizarra insurreição de animais mantidos em uma fazenda contra seus donos, homens. Foi mais uma dessas revoluções iniciadas com fins nobres, mas que não acabam bem... 

Papo Reto

Para quem vê de fora, o dia não começou bem nem para o presidente da CPH, Josenir Nascimento (foto), que perdeu o cargo, nem para o ex-deputado estadual Hilton Aguiar, que herdou o cargo, segundo o Diário Oficial. 

•Para Aguiar, seria um simples remanejamento - saiu da Secretaria Regional do Sudoeste do Pará para a CPH -, não fosse nomeado para o cargo Aldo Silva da Costa Jr, ligado ao deputado estadual Wescley Tomaz e adversário político de Hilton Aguiar. 

Para Josenir, a mudança remete a um rebaixamento - passa a ocupar a Coordenação do Núcleo de Municípios -, deixando a CPH em situação de terra arrasada, com estruturas que não estarão concluídas para a COP30.

•Se nada de nenhuma dessas alternativas valer, resta a Josenir aguardar a anunciada nomeação do senador Beto Faro para o ministério de Lula para assumir a vaga no Senado. Tudo é possível, inclusive nada.    

O estado de calamidade pública da CPH significa dívidas com fornecedores, obras paralisadas e abandonadas em terminais hidroviários de Mocajuba, Salvaterra, Oeiras do Pará e Senador José Porfírio.  

•A CPH é um órgão totalmente aparelhado, com três diretorias cujos titulares são indicações de deputados estaduais, entre eles Iran Lima, do MDB, e Maria do Carmo, do PT, cujo marido mora em Santarém.

Para agravar a situação, a CPH é responsável pela obra de reforma do armazém 10 da CDP, que seria um terminal hidroviário de suporte aos turistas durante a COP, atrasada e com sério risco de não ser entregue a tempo.

•Caladinho da silva, o deputado Adriano Coelho virou presidente estadual do PDT. Giovanni Queiroz, dizem, está desolado.

O conceito de “belo” vem remoendo cérebros ao longo da história humana. O conceito do substantivo Belo, aplicado a nome próprio, porém, vem torrando cérebros entre a Adepará e a Casa Civil do Governo. Vá entender.

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