Caso Beto Faro: relator afasta tese de "prova ilícita" em gravação que sustenta compra de votos

Julgamento acaba adiado por pedido de vista da juíza Anete Penna de Carvalho, que teve atuação com cara de manobra derrubada pelo ‘VAR’ da Justiça Eleitoral do Pará.

09/05/2025, 08:00

O julgamento do senador do PT deverá ser retomado na próxima semana, depois da intervenção da juíza eleitoral Anete Pena de Carvalho/Fotos: Divulgação


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o voto proferido durante a sessão do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, ontem, quinta-feira, 8, o relator do caso, juiz Marcus Alan de Melo Gomes, afastou a alegação de ‘prova ilícita’ levantada pela defesa do senador Beto Faro, do PT, e de seus suplentes. 

O magistrado entendeu que a gravação ambiental apresentada nos autos, feita por uma funcionária da empresa Kapa Capital, é válida e deve ser admitida como prova lícita, por estar amparada pelo interesse público e pelo direito à legítima defesa.

Segundo o relator, a gravação não se enquadra na vedação prevista pelo Supremo Tribunal Federal para provas clandestinas, pois foi realizada pela própria testemunha em ambiente de trabalho, com o intuito de se proteger contra possíveis represálias.

E o VAR entra no jogo

Porém, após o voto do juiz de carreira do TRE, relator Marcos Alan Gomes, o presidente da corte e os demais membros do pleno foram surpreendidos com a postura da juíza eleitoral Anete Penna de Carvalho: a magistrada, integrante ilustre da lista de candidatos à vaga de desembargadora do JT do Pará pelo quinto constitucional da OAB, pediu vistas do processo, sob a alegação bisonha de não se sentir “preparada para votar”. Mais que isso, a juíza pediu aos demais magistrados que reconsiderassem a decisão de antecipar seus votos.

Questionada frontalmente pelo juiz federal José Airton Portela, que considerou a tentativa de interferência uma quebra do rito processual, Anete tentou mudar a fala, justificando que o pedido era somente para ela mesma não votar, mas que não havia pedido aos demais que o fizessem. Como a sessão teve transmissão pública e ficou gravada, a juíza foi facilmente contestada por uma figura muito conhecida do público no futebol: o Video Assistant Referee, ou, no português claro, o ‘Árbitro Assistente de Vídeo’, o famoso VAR.

Trocando em miúdos, a análise do VAR com a gravação da sessão deixa claro o pedido explícito da magistrada para que os demais membros do tribunal aguardassem sem antecipar o voto. Pênalti. Em tom irônico, um advogado comparou a situação ao uso do VAR no futebol: "A diferença é que, no futebol, o VAR serve para esclarecer a verdade, e não para paralisar o jogo indefinidamente, enquanto o time que está perdendo tenta ganhar tempo".

Conflito de interesses

Além das implicações jurídicas, o episódio levanta questionamentos éticos relevantes. Anete Penna de Carvalho é candidata ao cargo de desembargadora pelo quinto constitucional da OAB no Pará justamente em um momento crucial para a Justiça Eleitoral do Estado: sua posição na votação de ontem sugere um suposto alinhamento político com setores interessados na defesa do senador do PT. Não bastasse, sua passagem relativamente recente pela Casa Civil do governo do Pará, ligado diretamente a Beto Faro, acende o alerta para um possível conflito de interesses, observação que não escapa ao senso comum.

Já o juiz eleitoral Marcelo Guedes, que rapidamente seguiu de perto o gesto de Anete Penna, também tem situação parecida. Guedes é advogado criado no berço de um grande escritório de advocacia que sempre advogou para o grupo político do MDB e do atual governo do Estado, do qual Guedes também fez parte.

Marcelo Guedes ocupou o cargo de Diretor Geral do Departamento de Trânsito do Estado do Pará, o Detran, de 2019 a 2021. Após deixar o cargo, o advogado assumiu o cargo de juiz eleitoral no Tribunal Regional Eleitoral do Pará, tomando posse em junho de 2024.

O pêndulo da Justiça

No entendimento de especialistas, o pedido de vista, quando usado de forma reiterada ou estratégica, pode comprometer a credibilidade da Justiça Eleitoral. "É um mecanismo legítimo, mas precisa ser usado com responsabilidade. Não pode servir como instrumento de protelação quando há evidências de que o processo está maduro para julgamento ou, mais grave, em pleno julgamento, depois de tanta protelação, como foi o caso do processo em questão", avalia um magistrado de fora da corte consultado pela Coluna Olavo Dutra.

De fato, Anete Pena de Carvalho pediu vista do processo no momento em que os votos começavam a ser proferidos - e ainda tentou, sem sucesso, impedir os demais juízes de anteciparem os seus.

Voto didático

O juiz relator, Marcus Alan de Melo, foi didático em seu voto, e destacou que, embora o uso de gravações feitas sem o conhecimento de todos os interlocutores possa, em regra, ser considerado ilegal, há jurisprudência pacífica nos tribunais superiores reconhecendo sua validade quando produzidas por um dos participantes da conversa, em contextos de violação de direitos fundamentais.

“O registro não teve motivação eleitoral direta, mas nasceu da necessidade de a trabalhadora preservar sua integridade diante de pressões no ambiente profissional. O interesse público na lisura do processo eleitoral, aliado à ausência de armadilhas ou induções, legitima a utilização do material nos autos”, argumentou o relator.

Ilicitude premeditada

O juiz ressaltou ainda, mais de uma vez, que o confisco dos celulares no ato da reunião por parte dos organizadores, no caso a direção da Kapa Capital, é a comprovação da ciência dos organizadores de que ali seria feito algo ilícito, como a gravação conformou, ao revelar indícios relevantes de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio - como a promessa de vantagens financeiras para influenciar votos -, configurando elementos de grave afronta à igualdade de condições no pleito.

A firmeza do voto do relator foi seguida também em voto adiantado pelos juízes Airton Portela e as magistradas Rosa Navegantes e Ezilda Mutran. O julgamento, no entanto, foi interrompido e deve ser remarcado assim que o processo for devolvido dos pedidos de vistas.

Pressão crescente

A suspensão amplia a expectativa em torno do desfecho do caso, que se arrasta há quase três anos entre protelações, manobras regimentais e cobranças: da sociedade, da imprensa e até da própria Corte Eleitoral.

O caso Beto Faro é um dos mais relevantes da atual legislatura, com potencial de impactar diretamente a composição do Senado Federal e o equilíbrio político na base do governo. Ao adiar novamente a definição, o TRE se vê sob pressão crescente da opinião pública e da comunidade jurídica por mais transparência e celeridade.

Placar da Justiça

Enquanto isso, no placar da Justiça, que por hora tem quatro votos querendo fazer cumprir a lei, o jogo segue parado - e o relógio, a exemplo do VAR mal utilizado, aparece em nova tentativa de ser manipulado em favor de quem deveria estar sendo julgado.

Papo Reto

•Mal comparando, a procuradora do Estado, que está juíza eleitoral do TRE no Pará, Anete Pena de Carvalho, lembrou uma vetusta ministra do STF, ontem, ao dar o tom de que a corte precisaria se acautelar em relação ao julgamento do senador Beto Faro.

À luz do entendimento do relator, juiz Marcos Alan Gomes (foto), eis um tema para o qual não há argumentos na cartola - até prova em contrário, ou acidentes de percurso.

•Em Irituia, nordeste do Estado, a população comemora com churrasco, nas esquinas da cidade, a recuperação de um trator Massey Ferguson 283, desaparecido desde o início da gestão anterior.

O veículo, comprado com dinheiro público, foi encontrado pela Polícia Civil, depois de ter sido vendido irregularmente pelo pai do ex-prefeito a um agricultor da região do Jacamim, em Capitão Poço, onde a família tem propriedades. 

•Já em Marabá, região sudeste, o Vereador Fernando Henrique, do PL, que apoiou e fez campanha ativa, trocou de mal com o prefeito Toni Cunha, do mesmo partido.

Do leitor Adalberto Wanzeler: “a impressão que se tem é de que uma frota extra inteira, igual ou até maior da que já circula em Belém, foi derramada nas ruas da cidade, tamanho são os congestionamentos.

•E ainda por cima tem o agravante da falta de sincronia dos semáforos, um caso bizarro e inédito no Brasil" - reclama.

A ativista climática Marcele Oliveira, de 26 anos, foi escolhida para ser a campeã climática da juventude da COP30, em Belém. 

•Natural de Realengo, bairro da periferia do Rio de Janeiro, a comunicadora e produtora cultural ingressou no ativismo pelas questões climáticas em 2019. 

Marcele também tem experiência em COPs desde 2022, no Egito, e a função dela será reforçar a participação dos jovens nas políticas climáticas e nos processos de negociação sobre mudanças do clima.

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